setembro 03, 2019

................ ZUENIR VENTURA - TESTEMUNHA de seu TEMPO




Jornalismo e literatura são irmãos gêmeos que nasceram muito diferentes 
e que hoje são mais parecidos do que nunca.
ZUENIR VENTURA

Fotos:
GERMAN LORCA
(São Paulo, SP. 1922)

Por ANTONIO NAHUD. 2007


Autor do best-seller “1968 – O Ano que não Terminou”, lançado em 1988 e atualmente na 40ª. edição, o mineiro, criado no Rio, ZUENIR VENTURA (Além Paraíba, Minas Gerais. 1931) se define como carioca: Como todo bom mineiro, e vice-versa. Em quase meio século como repórter, redator e editor, trabalhou em publicações brasileiras famosas, entre elas, o “Jornal do Brasil” e as revistas “Senhor”, “O Cruzeiro” e “Fatos & Fotos”. Ganhou o prêmio Wladimir Herzog de Jornalismo em 1989 e o Esso de Reportagem em 1994. É colunista do jornal “O Globo”, da revista “Época” e do site www.nomimino.com.br       

Autor de realista e humorado, ele publicou “Cidade Partida” (1994), sobre a chacina em Vigário Geral; “O Rio de J. Carlos” (1998), em parceria com o cartunista Cássio Loredano; “Inveja – Mal do Século” (1998) etc. Também roteirizou o documentário “Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje” (2003). Nesta entrevista, diz: “O leitor deve desenvolver antídotos contra o poder da imprensa”. Confira a entrevista:

O escritor precisa ter um papel transparente na sociedade?

Para o escritor, não deve ser obrigação desempenhar uma função social. Mas se ele estiver envolvido com seu tempo, acabará tendo esse papel, querendo ou não.

Como traduz o mercado literário nacional?

O mercado literário brasileiro se caracteriza por um paradoxo: apresenta uma extraordinária produção (há editoras que publicam um livro por dia) e um baixo consumo. Lê-se pouco por razões econômicas e culturais: os livros são caros, os leitores não têm dinheiro e nem o hábito da leitura.

As editoras estão atentas para absorver os novatos? Existe um caminho a se seguir? Que conselhos daria aos editores?

Não é que não estejam preparadas. O problema é que as editoras são empresas e, como tal,  não podem correr riscos econômicos. Elas precisam ter lucro. Editar um novato é sempre uma aventura. Não sei que conselhos daria a elas. Aos jovens, eu sugeriria que publicassem pela internet.


Julga que a literatura brasileira contemporânea é essencial?

Essencial, não sei. Mas importante, sim.

Já encontrou o equilíbrio entre jornalismo e literatura? Esse dualismo existe? Por exemplo, sofreu pressões, como escritor, para pender para um lado ou para o outro?

Acho que me inclino mais para o jornalismo. Mas não acredito que as duas atividades sejam incompatíveis.

Um dos méritos da sua linguagem é consolidar uma visão de mundo, de certo universo brasileiro antenado. Ela é também genuinamente universal, pelo que contém de drama humano. Como foi chegar a essa síntese desde “1968 – O Ano que não Terminou”?

Para isso, o jornalismo foi fundamental, como linguagem e como temática. Ele é que permite essa imersão na atualidade, sempre prenha de dramas e comédias.

Qual foi a sua intenção ao escrever “1968”? Esperava a repercussão recebida?

Foi recuperar um tempo que a ditadura tentou apagar da história, pela censura e pelo esquecimento. De jeito nenhum esperava a repercussão que teve. Achava que não passaria da primeira edição e ele já está na 40ª.

Machado de Assis nasceu, morreu e falou do Rio de Janeiro do século XIX. Nascido em Minas, acha que é sua sina exorcizar os demônios cariocas?

Como todo bom mineiro sou carioca, e vice-versa. Daí minha obsessão pelo Rio, que, como cantou Fernandinha Abreu, é o purgatório da beleza e do caos.

Temos uma crítica literária que reconhece uma obra literária sem se ater basicamente ao que já está consolidado?

Na universidade deve haver, mas nos jornais e revistas é difícil, até porque é da natureza da imprensa trabalhar com o já consumido e consolidado.

É mais fácil atacar ou elogiar alguma coisa ou alguém do que fazer crítica de verdade?

É muito mais fácil atacar. Aliás, está na moda falar mal. É hoje um marketing de grande sucesso.

Certa vez declarou que “o ideal seria que o leitor, o ouvinte e o espectador olhassem para a imprensa sempre com uma certa desconfiança”. Ainda pensa assim? A imprensa está em crise?

Continuo pensando assim. O leitor deve desenvolver antídotos contra o poder da imprensa. O mito de que somos o “Quarto poder” nos fez muito mal. Não temos que ser poder, mas contra-poder. Quanto à crise, pelo menos uma ela está vivendo: a crise da linguagem escrita. Estamos perdendo a guerra contra o áudio-visual.


A nossa imprensa tem um certo fascínio pelas coisas ruins ou será uma tendência mundial, de uma sociedade banalizada que precisa de chacoalhadas sórdidas?

Acho que é um problema planetário. Para nós, jornalistas, de maneira geral, notícia boa é notícia ruim, o que é uma deformação. Mas o leitor também não é inocente nessa história.

Ao passar pelas revistas “Senhor” e “O Cruzeiro”, duas mitológicas publicações, o que levou delas?

A revista “Senhor” foi uma das mais bem sucedidas experiências de vanguarda jornalística. Muitas de suas inovações, principalmente no plano gráfico, ainda são atuais. Quanto à revista “Cruzeiro”, ela foi uma escola de reportagem.

O que acha do jornalismo ensinado nas universidades?

Acho que a solução para o ensino de jornalismo seria uma parceria da universidade com as empresas. Em vez de uma ficar falando mal da outra, as duas deveriam desenvolver uma troca permanente de experiências.

A crônica de costumes é literatura ou jornalismo? Ou seria uma coisa e outra?

Eu diria que é simplesmente crônica, esse gênero democrático e generoso, situado entre o jornalismo e a literatura e onde cabe tudo.

Você tem uma epígrafe que o acompanhe? Um mote que o defina aos participantes do I Encontro Natalense de Escritores?

Não vim à Terra para julgar nem para condenar; vim para olhar e depois contar. Não sou juiz nem promotor, sou uma testemunha de meu tempo. Um jornalista.



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