abril 09, 2015

.......................... JOSÉ MAURO de VASCONCELOS: o MODELO



Texto: 
DIOGENES da CUNHA LIMA

Ilustrações:
DAVID HOCKNEY


JOSÉ MAURO DE VASCONCELOS (1920-1984) teve vida e movimento pitorescos muito mais intensos que a sua vida literária.
Nenhum dos seus livros é mais autobiográfico que Doidão, 1963, relato de sua juventude em Natal. Vida e obra se confundem.
De pai vigia e mãe lavadeira, Zé Mauro nasceu em Bangu, Rio de Janeiro. Morto o pai, veio morar aqui, com o tio, o médico Ricardo Paes Barreto, filho de Juvino Barreto.
Em suas próprias palavras, quando rapaz, tinha um “corpo bonito, esguio, forte, dourado”.
Estudou no Colégio Marista, dirigido pelo irmão José. No romance, os irmãos maristas dizem que  Geografia é matéria de vadio, de vagabundo. E Zé, descontente, questiona os amigos, não quer ser nada, tem o coração de vagabundo, ama Geografia...
Detestava Matemática, dizia ser exata demais para ser de gente. Tinha todas as namoradas que desejava: Estela, Valdívia, Maria Apolônia, Ieda, Conceição, Marli, Maria de Lourdes... Mas, paixão mesmo, por Silvana, tia de Dorian Gray Caldas, chamada Sylvia no romance.
Zé, Zezé, Zé Mauro levava a namorada para o Royal Cinema, os filmes ajudavam nos sonhos. Disse ao amigo Tarcísio da Natividade Medeiros que iria para a Legião Estrangeira. Fácil, bastaria matar uma pessoa. Na Legião seria recebido sem que indagassem quem era e que crime cometera. Tarcísio perguntou, então, quem escolheria para matar. Respondeu que seria irmão José. Jogaria ele torre abaixo.
“Mas e se ele, gordo, não conseguir subir na torre?”
“Eu mato ele com aquele veneno azul da aula de Química, dissolvo na cerveja dele.”
Ah, Zé Mauro, homem de sonhos. Sonhou ser também um coqueiro sob a brisa e o sol. Disse que iria para a Amazônia, cumprir as raízes do seu sangue indígena, ser um deus branco de uma enorme tribo. Iria comer muitos brancos.
Foi campeão de natação, de iole e de sinuca. Em regata, chegou em primeiro lugar, do Cais da Tavares de Lira ao Refoles. E foi aplaudido por torcedores das equipes rivais, Clube Náutico e Sport.
Usava uma tanga minúscula, reclamada por sua irmã adotiva por ser imoral. Certa manhã, foi repreendido por um delegado gordão na Praia de Areia Preta:
“Vá se vestir. Aqui é praia de família.”
Respondeu:
“Venha me pegar.”
O delegado chamou dois soldados, ele entrou nadando mar adentro, continuou gritando:
“Meganha, se for homem venha me pegar.”
O delegado ficou esperando a volta, mas ele nadou para praia mais distante.
Um dia, sentindo-se tristíssimo, decidiu morrer no mar. Deixou as suas roupas na Praia do Meio e nadou, até cansar. Pescadores em jangada o recolheram. Lembraram que ele podia ter sido devorado por um tubarão. Perto da praia, como iam pra Ponta Negra, mandaram que ele voltasse nadando até a Praia do Meio.
Aqui, estudou Medicina por dois anos, e abandonou o curso, porque a cidade era pequena para a sua ansiedade e os seus desejos. Disse que preferia ser modelo no Rio de Janeiro. E lá, foi: pescador, professor de desenho, boxeur, garçom, ator de teatro, cinema e TV e... modelo da Escola Nacional de Belas Artes, onde foi modelado em bronze, mármore, gesso, pintura, e imortalizado em escultura de Bruno Giorgi.
Publicou muitos livros, Zé Mauro. O primeiro deles, Banana Brava, 1942, recebeu apresentação de Câmara Cascudo, que ressaltou sua vida tumultuosa e brava. Cascudo é citado em Doidão, em diálogo travado com o amigo Tarcísio:
“E a nossa Marinha tem submarino?”
“Esse é o ponto nevrálgico. Ninguém sabe. Quem deve saber é Cascudinho. Vamos perguntar a ele?”
“Mas se perguntar ele fica sabendo do seu segredo.”
Toda a ficção de Zé Mauro partia da sua intensa vivência.
Seguiu os irmãos Villas-Bôas em expedições. Conviveu com xavantes, maués, caiapós, tupinambás, carajás. Chegou a entender e falar línguas nativas. Foi trabalhar nas salinas de Macau para escrever o Barro Blanco, 1948. Seu grande sucesso editorial foi Meu Pé de Laranja Lima, 1968. Em todos os livros coloca um toque de ternura, dizendo que a literatura é a arte mais difícil, porque deveria ter todas as cores e nuances da pintura, harmonia da música, a arte do movimento.
Em entrevista, declarou que Natal nunca o abandonou. É o lugar do amor, dos amigos, da infância. Luís G. M. Bezerra, seu vizinho era dos mais queridos, confidente nas visitas anuais a Natal.
Zé Mauro merece ser lembrado, eternamente.

josé mauro de vasconcelos na juventude, em natal (rn)
DUAS ou TRÊS COISAS sobre JOSÉ MAURO


Boxeur, repórter, garçom de boate, agricultor, operário, professor primário, garimpeiro, sertanista, ator de TV e cinema (em filmes como “Floradas na Serra” de 1954, “Mulheres e Milhões” de 1961 e “A Ilha”, de 1963, entre outros), radialista, escritor, pintor e modelo na Escola Nacional de Belas Artes. Seu corpo para sempre fixo em bronzes, mármores, gesso. Há uma escultura sua, como modelo, de Bruno Giorgi, no Monumento à Juventude, na antiga sede do Ministério da Educação. Dessa atividade errante nasceu um solidarismo revoltado e cheio de ternura pela diária exibição do panorama da miséria notória e disfarçada.

Com uma vida nada fácil, JOSÉ MAURO DE VASCONCELOS ganhou uma bolsa de estudos na Espanha, período em que viajou por vários países da Europa. De volta ao Brasil trabalhou junto aos irmãos Villas-Boas, principalmente explorando a inóspita região do Araguaia. Desta aventura resultou seu livro de estreia, “Banana Brava” (1942), sobre o mundo dos homens dos garimpos. Depois veio “Barro Blanco” (1945), sobre as salinas de Macau, no Rio Grande do Norte, seu primeiro sucesso de crítica. A seguir “Longe da Terra” (1949), “Vazante” (1951), “Arara Vermelha” (1953) e “Arraia de Fogo” (1955). Porém, só com “Rosinha, Minha Canoa” (1962), atingiu o sucesso literário e ganhou fama como escritor, sendo este livro utilizado em curso de Português na Sorbonne, em Paris.

Doidão” (1963), sobre sua adolescência em Natal, “O Garanhão das Praias” (1964), “Coração de Vidro” (1964) e “As Confissões de Frei Abóbora” (1966), antecederam seu maior sucesso popular, “O Meu Pé de Laranja Lima” (1968), que foi adaptado pela antiga Tupi e pela Globo, como telenovelas e também levado ao cinema. Vendeu nos primeiros meses de lançamento, 217 mil exemplares, retratando o choque sofrido na infância com as bruscas mudanças da vida. Dono de uma literatura leve e agradável, José Mauro fez grande sucesso junto ao público. Mesmo assim a importância do seu trabalho não é devidamente reconhecida no Brasil.


Em sua vasta obra, iniciada aos 22 anos de idade e lida em alemão, inglês, espanhol, francês, italiano, japonês e holandês, entre outras línguas, ainda se destacam “Rua Descalça” (1969), “O Palácio Japonês” (1969), “Farinha Órfã” (1970), “Chuva Crioula” (1972), “O Veleiro de Cristal” (1973), “Vamos Aquecer o Sol” (1974), “A Ceia” (1975), “O Menino Invisível” (1978) e “Kuryala: Capitão e Carajá” (1979)

“Escrevo meus livros em poucos dias. Mas em compensação passo anos ruminando ideias. Escrevo tudo a máquina. Faço um capítulo inteiro e depois é que releio o que escrevi. Escrevo a qualquer hora, de dia ou de noite. Quando estou escrevendo entro em transe. Só paro de bater nas teclas da máquina quando os dedos doem. Só aí percebo quanto trabalhei. Sou um cara capaz de varar dias escrevendo até a exaustão”



8 comentários:

Diva Nina disse...

Li O meu pé de laranja menina quando menina. Como chorei.

Bernardo Maranhão disse...

Que saudade da literatura suave de José Mauro

Conceicao Portela Portela disse...

Lí MEU PÈ DE LARANJA LIMA e ROSINHA, MINHA CANOA...adorei os dois

Lisandra Dantas. disse...

Muito bom.

Anônimo disse...

Gostaria de saber se Paul Louis Fayolle realmente trabalhou no colégio Marista de Natal, Rio Grande do Norte, conforme mencionado por José Mauro de Vasconcelos no livro "Vamos Aquecer o Sol".Segundo o "Portal da História do Ceará" Paul Louis Fayolle (?-1959), francês de nascimento, da Congregação dos Maristas, foi professor do Colégio Cearense e da Faculdade Católica de Filosofia do Ceará

Anônimo disse...

Grato pela lembrança com o meu tio Zemauro, irmão do meu pai "Totoca". Selmo Vasconcellos.

Unknown disse...

Eu, um Zezé potiguar, sempre sonhei em criança, ao ler "O Meu Pé de Laranja Lima", que me parecia familiar e nostálgico. A ação que se passa no Rio de janeiro, sempre me foi transportada para Natal, mesmo que na época, eu não soubesse que a infância do autor, fora ali vivida, fato que talvez, tenha legado à obra os eflúvios nativistas de nossa terra.

Unknown disse...

Vi o "meu pé de laranja lima" aos seis, sete anos de idade. Fui apresentado ali ao cinema nacional. Lembro da participação do Vicente Celestino, lembro da narrativa leve e sentida. Ainda hoje falo desse filme, que mora no meu subúrbio afetivo e que despertou a minha atenção para uma das nossas muitas e ricas representações culturais. Não conhecia nada da vida desse autor, só o admirava e guardava na memória a foto da contracapa do livro, ele ainda criança. Agradeço o acesso e a riqueza de informações sobre o José Mauro, também muito bem escritas. Muito, muito grato. Jair Lima