dezembro 21, 2020

.............................................. MOÇA com BRINCO de PÉROLA



APRESENTAÇÃO de ANTONIO NAHUD
Para o livro de DIOGENES da CUNHA LIMA


Escrever não é uma tarefa simples. Cada palavra, quando bem usada, tem um forte impacto no leitor, ou, caso não seja necessária no contexto, pode passar despercebida ou até causar uma má compreensão. Escrever um livro ou conto é ainda mais complexo. Agora, imagine escrever algo minimamente robusto em apenas poucas linhas. Tal feito parece possível? É o que propõe este delicioso livro do escritor Diogenes da Cunha Lima.

Mas o que poderia causar um efeito iluminado em textos tão curtos? Talvez o mecanismo da fórmula voltada para o efeito, na qual todas as circunstâncias servem para provocar impacto literário. A meu ver, apesar da brevidade, os microcontos em questão conseguem criar um efeito deleitoso. Comovem, divertem, encantam. Lembram-me um microconto admirável do tcheco Franz Kafka: “Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.”

O microconto ganhou um grande número de adeptos nos últimos anos. A partir dos anos 1990, antologias começaram a abordá-lo de forma enfática, resultando em publicações em todo o mundo. No entanto, não é uma manifestação literária recente. Grandes nomes da literatura como Anton Tchekhov, Leon Tolstói, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar já incursionaram pelo tema. O escritor guatemalteco Augusto Monterroso é tido como um dos fundadores do “gênero” com o conto “O Dinossauro”, escrito com apenas trinta e sete letras: “Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.”. Ele é citado por Ítalo Calvino em seu genial “Seis Propostas para o Próximo Milênio”, no capítulo em que fala sobre a importância da rapidez na literatura. No Brasil, o pioneiro em microconto foi Dalton Trevisan, com o livro “Ah, é?”, de 1994. Dele, recordo: “A velha insônia tossiu três da manhã.”. Minha amiga Lygia Fagundes Telles também arriscou-se escrevendo em tão poucas palavras: “Fui me confessar ao mar. O que ele disse? Nada.”

Enfim, microconto é criação bastante precisa, que procura o poder de síntese, concisão, e mesmo “ação”, no sentido dramático. Ele recorta um fragmento da imaginação do autor e faz com que este fragmento ofereça uma espécie de explosão que transcenda, rompa os limites do texto. Acredito, falando aqui dos microcontos de Diogenes da Cunha Lima, que eles cumprem muito bem a proposta contida na historieta do dinossauro de Monterroso e se mostram como soluções felizes, de impacto.

Termino ressaltando a importância de livros que apresentem um gênero híbrido, que contribuam para borrar as fronteiras do tradicional, como é o caso deste. Por vezes, ao lê-lo, perguntei-me: “Esses microcontos aqui apresentados são contos ou poemas?” Claro que não cabe responder. Prefiro deixar ecoando o pensamento de Cortázar, para quem o conto é um gênero de dificílima definição, gênero enfim “tão secreto e dobrado sobre si mesmo, caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em outra dimensão do tempo literário.”.


Um comentário:

Marta Godoy disse...

Texto incrível. Parabéns.