setembro 18, 2012

.................... “PEQUENAS HISTÓRIAS...” na TRIBUNA do NORTE


TOQUE – LIVROS E CULTURA

por CARLOS DE SOUZA
(Jornal Tribuna do Norte)
05 de Setembro de 2012

TRÊS POTIGUARES COM ESTILOS DIFERENTES

Volto a comentar hoje, com muito prazer, alguns autores potiguares. Vou começar por este PEQUENAS HISTÓRIAS DO DELÍRIO PECULIAR HUMANO, de Antonio Nahud, Editora Falcão Maltês, 154 páginas, sem preço definido. Para começo de conversa digo que este rapaz sabe escrever. Calejado pela sua vivência no jornalismo, cunha frases curtas, textos curtos, certeiros. Seu mundo é o mundo do cinema e da literatura, estão lá todas as referências, podem conferir. Sugiro que comecem a ler o livro pelo conto “Um Mundo Claro, Um Mundo Escuro”. Não, comecem pelo início mesmo. A literatura de Antonio Nahud é aquela que mostra as mazelas do mundo, o lado negro do ser humano, toda sua dor e todo o seu desespero. E por que não dizer nosso lado? Álcool, drogas, vômitos, estupro são alguns elementos, mas principalmente a insuportável solidão humana. De vez em quando, o autor se solta de suas amarras referenciais e joga-se no encantamento, no fantástico, no maravilhoso. São contos escritos com mão de mestre, podem acreditar. Vejam por exemplo este conto intitulado “Rumo à Felicidade”: “Numa noite densa, o idoso centauro paterno surgiu inesperadamente e a levou para o seu barco prateado. Quando o gigantesco pássaro despertou, seguiu-se uma busca incessante, num canto arrepiante acima das ondas, provocando tempestades, raios e trovões”. Estou mentindo? Bem, no início eu disse que ia falar de autores potiguares, mas Antonio Nahud é muito mais que isso. Seus contos são cosmopolitas, viajam pelo mundo e seus personagens são universais. Fico feliz que ele esteja fazendo poesia em forma de prosa. Ultimamente ando muito desconfiado de poetas. A única coisa que não gostei no livro foi a edição. Merecia uma capa mais profissional e um papel que não fosse esse desagradável papel reciclado.

Tenho aqui em minhas mãos este “Intuitor Bianor - Um Homem de Palavra”, de Tião Carneiro, Editora Protexto, 315 páginas, sem preço definido. Não é o primeiro livro deste autor que tenho a oportunidade de ler. Percebo uma coisa, isso pode ser tudo, menos literatura. O autor se compraz em contar casos, quase sempre de amor, relacionamentos, conversas intermináveis num papo arrastado que parece nunca ter fim. Não há Pathos, conflito, tragédia, clímax na trama. Aliás, não vi trama alguma. É como um rio de palavras que bóiam como pedaços de destroços numa enxurrada. Não há qualquer questionamento filosófico diante da existência humana. Tenho certeza que Tião Carneiro se diverte demais escrevendo esses livros (já li seus textos também no Substantivo Plural). Seus amigos também devem se divertir muito, alguns talvez até sejam retratados ali de uma forma ou de outra. E se você já está aí babando de satisfação com esse meu comentário, digo logo que não vou desestimulá-lo no prazer da escrita. Espero que ele continue fazendo seus livros e que um dia eu possa apreciar um trabalho dele. E olha que esses dois livros dele que tomei conhecimento são dois calhamaços. Espero também que eu esteja errado em minhas observações, porque muita gente também torceu o nariz quando tomou conhecimento dos sete volumes de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust. Não estou aqui fazendo comparações. Estou apenas me precavendo do implacável juízo do tempo. Imagino o horror que foi a primeira leitura do Ulysses, de James Joyce. Mas aí há Pathos, há trama, sim. E há tragédia, a velha tragédia humana que nos acompanha através dos tempos, desde os gregos. Sinceramente, não consigo ler a prosa do nosso amigo Tião Carneiro. Desculpe.

Este livro que vou comentar agora é dirigido para um público específico e digo de antemão que não entendo nada do assunto, mas ao folhear suas páginas encontrei alguns momentos que merecem um pouco de atenção. “A Tragicomédia da Medicalização - A Psiquiatria e a Morte do Sujeito”, de José Ramos Coelho, Editora Sapiens, 146 páginas, R$30,00. Quero primeiro apresentar o autor. José Ramos Coelho é filósofo, multiartista, doutor em psicologia clínica e terapeuta holístico. É autor dos seguintes livros: “A Colina e o Abismo” (1978), em co-autoria com José Paulo de Melo Cabral; “A Magia na Aldeia Global” (1985); “De Narciso a Édipo: a Criação do Artista” (2005) e “A Terapia da Excelência: Uma Introdução ao Método da Estética Existencial” (2007). Investiga, atualmente, temas ligados à formação do sujeito, saúde e espiritualidade, participando há anos dos workshops e encontros promovidos pelo Sapiens. Pois bem, o que José Ramos Coelho quer neste seu novo livro (pelo menos foi o que deduzi de uma leitura rápida) é mostrar que o uso indiscriminado da psiquiatria no mundo moderno está causando um aumento substancial nos índices de pessoas classificadas como doentes mentais. Como dizem na web, é isso produção? Então ele faz uma série de perguntas básicas: esse aumento "é motivado por um estreitamento nos orifícios da rede classificatória do discurso médico-psiquiátrico que agora pega qualquer um? O que está por trás dessa pesca de arrastão? Como ela opera? Como as pessoas se deixam aprisionar imaginando serem acolhidas?"

São essas perguntas que José Ramos Coelho tenta responder, através de sua erudição, para os leitores que se interessam pelo assunto. Eu li coisas aqui que me deixaram arrepiado, podem acreditar. A proposta da medicalização da vida é tirar de cena a tragédia da existência, substituindo-a pela tragédia da morte do sujeito. A proposta da estética da existência é conclamar o sujeito a assumir tudo aquilo que o constitui e o caracteriza enquanto ser humano criativo, sensível e único. Realmente, este livro bota a gente para pensar e acho que esta é uma das funções dos livros.

foto de morvan frança

Um comentário:

Marta Lima disse...

Parabéns, Antonio. Maravilha!