abril 10, 2016

................................ De SÚBITO, LORD BYRON!




para os “Meninos d’Avó”

Quando conquistou tudo o que todos querem cortejar, a pobre recompensa não valeu os custos: juventude desperdiçada, alma aviltada, honra perdida, são os teus frutos, ó paixão triunfante!

(Byron, “Fragmento 11 do canto XVII”)


Sou calmo – mas não sou calmo demais;
Modesto – mas com autoconfiança;
Paciente, sim – porém sem muita paz;
Mutável – sem que se note mudança;
Tímido – mas às vezes muito audaz;
Alegre, mas sem rir, porque isso cansa;
Como se a minha minha pele, numa tez,
Tivesse, onde não tem, duas ou três.

(Tradução de Augusto de Campos)

Fotografias:
JOSÉ RICARDO CORTE-REAL
(exclusivamente para o livro Se Um Viajante numa Espanha de Lorca
de Antonio Nahud, 2005)


Na primavera deste ano, George Gordon, conhecido pelo título aristocrático de LORD BYRON (1788 - 1824. Dover, Reino Unido), regressou a Sintra. Há vento e algum calor. Nem sombra da auréola de neblina ambientando a vila de mistério. Noite azul profundo, perfumada por ervas aromáticas; silêncio absoluto, harmonia e sensações. Como se um segredo extraordinário fosse revelado. Nesta paisagem sensorial, um pouco acima do Museu do Brinquedo, na Casa da Avó, poetas e admiradores do lírico, chamados “Meninos d’Avó”, iniciam mais um dos habituais encontros poéticos. De súbito, numa deslocação instantânea além-morte, o lendário LORD BYRON surge com grosso volume de papéis entre os dedos, atravessa o salão e se senta, discretamente, pedindo uma taça de vinho tinto a Paula, dona do local, e desenhista nos momentos de ócio.

O belo porte do poeta romântico cintila e seus olhos não escondem um destino plúmbeo, melancolia acentuada e caráter excepcional. Pronto para conceder poemas inéditos, guardados durante quase dois séculos, desvendando a Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta inglês por Sintra, em julho de 1809, deu origem a versos: “Ó minha Sintra, és cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba / Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo / Como eu”. Retratou a cidade como bela e enigmática, não tendo em grande conta o caráter dos portugueses, poemando críticas duras que ainda hoje silvam como um látego em Childe Harold’s Pilgrimage”.

lord byron
Ele se lembra de tudo, os olhos piscando como asas de colibri – um adormecimento ou um princípio de desmaio, fadado a se tornar forma espectral. Está como no centro de um palco, ao alcance do meu olhar semicerrado a acompanhar os seus movimentos. O que faz BYRON na Casa da Avó? O que é a Casa da Avó? Oxente, caro leitor. Explico direitinho. Local fundado durante a I Guerra Mundial por uma velha camponesa viúva, avó Madalena, estirpe de muitos filhos e netos, dois deles ainda vivos. Uma casa de pasto (restaurante popular com receitas caseiras) mantendo a velha tradição, conduzida com boa vontade por Paula e Luis Ribeiro. Quinzenalmente, os “Meninos d’Avó” se reúnem para ler ou ouvir poesia na pequena sala do restaurante, entre taças de vinho e, por vezes, um suculento Bacalhau à Brás. Noites temáticas (a mais recente, “Revolução, poemas de Pablo Neruda e José Gomes Ferreira) homenageiam poetas, mas quase sempre o tema é livre. Por aqui passaram figuras supimpas: Paulo Brito e Abreu, Fátima Freitas, Risoleta Pinto Pedro e outros.

Carlos Pinto e José Ricardo – nosso amigo-irmão Zezinho -, respectivamente engenheiro de som e fotógrafo, presentes, atentos, embora jamais abram a boca para a récita. Atores mostram sua verve, de Rui Mário, do Tapafuros, a Nuno Vicente, do Utopia. Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espetáculo, dando preferência ao espontâneo. Menezes, autor do alucinante “Selenographia in Cynthia”, interpreta poemas pausadamente, sentido, voz grave, carregada de vivências. Nesta noite em que recebemos a visita de BYRON, lê poetas germânicos do pós-guerra, traduzidos por ele. É um grande escritor, poeta, ensaísta e tradutor à procura de um editor sensível. Superando a timidez e a tendência para mergulhar na emoção intensa e contida, pouco a pouco, tomo o gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, com deleite, um dos “Meninos d’Avó”. Este é o panorama, a geleia geral: poetas abrem a boca e lançam poemas.


Entre nós, entusiasmados espíritos delirantes, LORD BYRON, voz aveludada, clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, fala sobre poesia. Durante o sarau continua com uma série de leituras carismáticas, pontuando reflexões literárias cheias de desenvoltura. Sua beleza luminosa, estampa de cinema, provoca encabulamentos. Êxtase. Pareço arder e, ao mesmo tempo, sou tomado por gélido e discreto embaraço. O poeta nos diz seu nome: António Cortez. Ah, Byron, pseudônimo, alter-ego, heterônimo, personagem, verso vivo, possessão espetacular! Cortez, António Cortez, admirável.

Depois da meia noite, cumprida a missão, ele parte, despedindo-se amável e prometendo voltar. Imagino um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, levanto os olhos e vejo o fundo dos seus olhos. Lá está a sua história, a história de um aventureiro, um leque de vivências. Um sujeito elegante, várias relações amorosas de ambos os sexos, deixando como legado uma obra de profundo interesse. Ele escandalizou a sociedade tanto com seus poemas quanto pela sua vida mundana. É tratado como um gênio da poesia e o maior romântico inglês.


Criação marcada pelo pessimismo, cinismo, ironia e revolta contra o mundo. Critica a sociedade de maneira exaltada, impetuosa e até violenta. Seu caráter poético ligado à tristeza da alma humana. Um grande painel autobiográfico. Rotulado como louco, devido ao desprezo pelas regras de comportamento social, socialmente rejeitado e, também, invejado pela originalidade literária e gênio criador. Inquieto e aventureiro, ânsia libertária, tal qual escreveu no poema “O Corsário”. Deixou pensamentos célebres, como este: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”. Na tentativa de transformar sua vida em seus escritos – ou seria o contrário? – ele se encheu de dívidas - por estar sempre dando orgias e festas extravagantes.
        
Nasceu em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, família à beira da ruína econômica, malformação congênita num dos pés, provocando um visível coxear. Ainda assim o nosso protagonista se destacaria em esportes como boxe e natação. A mãe, Catherine, focalizava no filho único as desgraças que aconteciam na sua vida. Aos nove anos, faleceu seu tio avô – quinto LORD BYRON - deixando o sobrinho neto como depositário do título familiar. Jovem de beleza invulgar, no Trinity College de Cambridge foi apelidado de “bom garoto” pelo carisma e excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o primeiro poemário, “Horas Ociosas”, mal recebido pela crítica. Nessa altura, a Inglaterra prosperava em plena evolução industrial. O poeta, dando rédeas à sua ânsia de aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal, Espanha, Grécia, Turquia. Passou alguns dias em Sintra, começando a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter-ego literário -, protagonista de mil avatares poéticos.
        

Cantadas por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos – e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas de Sintra encantam viajantes e turistas de ocasião. É um grandioso cenário de uma natureza pagã e sagrada. Deslumbrou LORD BYRON, que soube apreciar a solidão dos lugares misteriosos, escrevendo: “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de todo o mundo”. Admirador de Beckford, escritor milionário que influenciou sua obra e se instalou poucos anos na admirável Quinta e Palácio de Monserrate, escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”.

Na sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, disse estar apaixonado pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar pela exuberância natural em versos como “The Glorious Eden”. O mesmo ardor e magnificência do local reconhecidos mais de meio século depois pelo escritor português Eça de Queirós. O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com uma visão pessoal e emotiva, recordada sob a expressão “Sintra Queirosiana”, e se pode afirmar que ela está presente em quase toda sua fértil obra. Antes do idílio de BYRON, outro poeta britânico, Robert Southey, estendeu os olhos pela cenografia sintrense: “o mais abençoado torrão de todo o globo habitável”.


Hospedado na Estalagem dos Cavaleiros, as aventuras e desventuras de BYRON em terra portuguesa são narradas num livro de Alberto Teles, publicado em 1879. A fama do furacão romântico cresceu e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado nos melhores salões londrinos. Todos queriam tê-lo como convidado e lhe atribuíram centenas de romances com mulheres e homens. Mas foi Annabella Mibanke quem o levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu Augusta Ada, enquanto a polêmica e o escândalo salpicavam a vida do poeta. Acusado publicamente de sodomia e incesto, foi abandonado pela esposa. Diante de terríveis rumores e provável julgamento, ele decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar.
        
Esteve em Bruxelas e na Suíça, fazendo amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e Claire Clairmont. Com os novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou por lagos e organizou veladas literárias propondo a criação de novelas macabras. Polidori inspirou-se em BYRON para escrever “O Vampiro”, semente de um gênero, enquanto Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do mito do novo Prometeu. Se estabelecendo na Itália, o irreverente poeta incrementou sua já por si fértil criatividade, apoiando causas libertadoras e publicando textos como “Manfred”.


Em 1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa tristeza cada vez mais abrumadora, resolveu combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos gregos frente ao poder otomano. Recebido como herói, em pouco tempo, ferido, contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Faleceu na praia, dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”. Poeta de amores perdidos, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar seu dilema existencial. Com ironia e uma certa ruptura com o romantismo, denunciou um leque de preocupações muito adiante do seu tempo. Donjuanesco, temperamento forte, sensualidade vibrante e grande poder de comunicação, produziu poemas de fúria inaudita, emblemáticos na violência que o escritor exercia sobre si próprio. Egocêntrico, morreu sem encontrar as atenções nem ouvir os aplausos que julgava merecidos.
        
Tumultuoso, sutil - o encontro com LORD BYRON nesta noite voluptuosa de primavera, atmosfera enigmática e perfumada. O percebido relato nesta crônica. Sem nenhuma invenção. George Gordon, o Byron, poeta romântico e desiludido, ou Cortez, parte numa visão sobrenatural. Toma um caminho tão solitário como o das estrelas. Eu deixo a Casa da Avó. Impossível sufocar a convulsão que me arranca dos laços terráqueos. A caminho da estação ferroviária, as pontas dos ramos das árvores se incendeiam em faíscas de luz violeta, e os troncos passam gradualmente do púrpura ao negro.

Horizonte de pálida iluminação, teia de néon, destacando o serpentário da Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, duma suavidade de efeitos mágicos. Solto o choro, feliz. Das trevas e do mais oculto nascem fábulas azuladas, a luz do bem querer e irresistíveis esperanças.


POEMA DE BYRON

Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.

Vivi! Amei! Bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! Empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.

Mais vale guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
- Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.

E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...

(Tradução de Castro Alves)


FRASES DE BYRON

“A recordação da felicidade já não é felicidade; a recordação da dor ainda é dor.”

“Todo aquele que conseguir a alegria deve partilhá-la.”

“Todas as tragédias terminam em morte e todas as comédias em casamento.”

“No amor alternam a alegria e a dor.”

“A amizade é o amor sem asas.”

“O amor nasce de pequenas coisas, vive delas e por elas às vezes morre.”

“Para todos os ofícios, exceto o de censor, é indispensável uma aprendizagem: os críticos fazem-se antecipadamente.”

“A adversidade é o primeiro caminho para a Verdade.”

“E, afinal de contas, o que é uma mentira? É apenas a verdade mascarada.”

“As novidades agradam menos do que impressionam.”

“O ódio é de longe o mais longo dos prazeres: amamos depressa, mas detestamos com vagar.”

“Na sua primeira paixão, a mulher ama o seu amante; em todas as outras, do que ela gosta é do amor.”

“É mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela.”

“O casamento vem do amor, assim como o vinagre do vinho.”

“Enxugar uma só lágrima merece mais honesta fama do que verter mares de sangue.”

“Quem ama mente.”

“O entusiasmo é uma embriaguez moral.”

“Quando tiramos a vida aos homens, não sabemos nem o que lhes tiramos, nem o que lhes damos.”

“Uma amante pode ser tão incômoda quanto uma esposa, quando se tem apenas uma.”

“Terrível é que não é possível viver com as mulheres, nem sem elas.”

“A vida é como o vinho: se a quisermos apreciar bem, não devemos bebê-la até à última gota.”

“É quando pensamos conduzir que geralmente somos conduzidos.”

“Sabemos tão pouco do que estamos a fazer neste mundo, que eu me pergunto a mim próprio se a própria dúvida não está em dúvida.”

“Só a mágoa deveria ser a instrutora dos sábios. Tristeza é saber.”


lord byron

8 comentários:

Rita Atir Guedes disse...

Valeu!!!!! Excelente.

Amaral Cavalcante disse...

Encantador.

Jean Guilherme Paixão disse...

Ótimo relato beirando o gênero fantástico. Parabéns.

Moises Junior disse...

Como Byron era belo. A filha dele, Ada Lovelace é reconhecida por ter escrito o primeiro algoritmo de computador. (primitivo)

Tamires Silva disse...

Perfeito.

Gilmário Souza disse...

Byron era uma figura além da sua época.

Miriam Arruda disse...

Texto gostoso de ler. Parabéns.

Mariana Abijaude disse...

Muito bom.