maio 23, 2016

........................................ MARIZE CASTRO: TUDO se TRANSFORMA



Ilustrações / Esculturas:
JEAN (HANS) ARP
(1986 – 1966)


Há dez anos participei de mesa redonda no I Encontro Natalense de Escritores (ENE 2006). Diretamente da Alemanha, escala de poucos dias em Salvador, reencontrando Natal e me sentindo honrado com o convite. Talvez por falta de comunicação, colocaram-me para debater sobre Oswaldo Lamartine, notável escritor potiguar que eu desconhecia na época e hoje tenho admiração. Sem perder tempo, entrevistei colegas. Conversas saborosas com Antônio Cícero, Zuenir Ventura, Marcelino Freire, Ruy Castro e outros. Da literatura local, Diogenes da Cunha Lima e MARIZE CASTRO.

Marize não se empolgou com a possibilidade de ser entrevistada. Insisti no bate-papo e terminei conseguindo respostas controladas. Todas as entrevistas foram publicadas nos jornais “A Tarde” (BA) e “Jornal de Hoje” (RN). Estranhamente, o registro da poeta potiguar permaneceu inédito. Não lembro qual foi o motivo. Esta semana, pesquisando antigos CDs, encontrei casualmente esse simpático material produzido durante o ENE número um. Algumas entrevistas já postadas neste blog: Cícero, Ruy Castro, professor Diogenes. Acrescento à série, a formidável poeta MARIZE CASTRO.

marize castro
Ela nasceu em Natal (RN), onde mora. Editora e jornalista, mas essencialmente poeta, é autora dos livros de poesia “Marrons Crepons Marfins” (1984), “Rito” (1993), “Poço. Festim. Mosaico” (1996), “Esperado Ouro” (2005), “Lábios-Espelhos” (2009) e “Habitar Teu Nome” (2011). 

Publicou poemas em jornais e revistas literárias nacionais e internacionais. Seus textos foram traduzidos para o inglês pelo poeta norte-americano Steven White. Tem se distinguido nacionalmente como criadora de uma poesia singular, ousada, profunda e visceralmente sincera. Sobre sua criação, escreveu o poeta Ivan Junqueira: “Estes versos, assombram, perturbam, desconcertam”.

Como jornalista trabalhou na editoria durante vários anos do jornal cultural “O Galo”, publicação da Fundação José Augusto, em que colaborei com poemas e ensaios antes de conhecer Natal. Em 2008, publicou o livro “Além do Nome”, resultado de entrevistas publicadas no jornal “Tribuna do Norte” com inúmeros poetas e escritores. Em 2011, lançou “O Silencioso Exercício de Semear Bibliotecas”, sobre o trabalho que a poeta e bibliotecária Zila Mamede realizou nos anos 1960. 

MARIZE CASTRO ganhou vários prêmios literários, dentre os quais Prêmio de Poesia FJA (1983) e o Prêmio Othoniel Menezes (1998). Cultora do verso livre, celebra a mulher e o sentimento amoroso, escrevendo em linguagem fluente e solta. “A verdade em beleza”, da qual se referiu Haroldo de Campos, continua entusiasmando a crítica e apaixonando leitores.

Confira a entrevista:

Na arte, tudo navega num fluxo constante. Nada é descartado, mas transformado pela produção artística que se movimenta de forma ininterrupta e, às vezes, agregas soluções anteriormente experimentadas. A poesia de MARIZE CASTRO desafia os impulsos poéticos mais tradicionais, reeditando-os com novas leituras em seus múltiplos aspectos. Tudo se transforma.

Nietzsche disse: “por nossas virtudes somos bem punidos”. Será mesmo?

Não acredito em punição.

E crítica literária? É necessária? Perdeu o rumo?

A crítica é necessária, ela está ausente da mídia, mas muito viva e renovada dentro das universidades. 

As editoras não divulgam corretamente seus poetas ou os leitores realmente desprezam a poesia?

A poesia sempre terá seus leitores, poucos, mas fiéis.


O escritor francês André Gide garantiu que “todas as coisas já estão ditas, mas, como nin­guém escuta, é pre­ciso re­começar sempre”.

É preciso recomeçar porque assim é a vida.

Existe uma poética feminina?

Sim, inclusive na poesia escrita por homens.

Quais as poetas que influenciaram sua obra?

De Safo a Patti Smith, sou todas elas.

Ler poemas em voz alta atrai anjos?

Não sei.

Os poetas são aplaudidos pela persistência literária ou pela originalidade da linguagem?

Os verdadeiros poetas fazem sua poesia com ou sem aplausos. Há muito não acredito em originalidade na poesia. Acredito em experimentos.


Um po­ema tem sentido a partir de sua expressividade?

Se o poema existe, sua existência se fez necessária.

Muitos escritores rejeitam suas próprias obras de estreia. Você aceita sem restrições o seu primeiro livro?

“Marrons Crepons Marfins” foi legitimado por Haroldo de Campos. Como não aceitá-lo plenamente?

Por que escreve poesia?

Porque acordo todos os dias.


Como começou?

Lendo a verdadeira Poesia.

Falemos da vida. A eternidade está no presente?

A eternidade está.

A morte tem importância?

A morte tem, sim, importância, porque sem ela não há vida.

Como você se relaciona com os novos poetas nordestinos?

Tenho bons amigos poetas no Nordeste e em todo país. A Internet facilitou bastante a nossa comunicação. Cito, especificamente no Nordeste, José Inácio Vieira de Melo, Ruy Espinheira Filho e Mayrant Gallo, entre outros, em Salvador; Delmo Montenegro e Jomard Muniz de Brito, em Recife; Antonio Mariano e Hildeberto Barbosa, em João Pessoa; Carlos Augusto Lima, em Fortaleza; Rubervam Du Nascimento, em São Luís, Marcos Farias, em Maceió, e tantos outros que neste momento não recordo, mas que são tão importantes quantos estes que eu citei.

O que falta e o que sobra na poesia do Rio Grande do Norte?

Nada sobra e nada falta na verdadeira poesia feita no Rio Grande do Norte. Mas tudo sobra e tudo falta na falsa poesia feita em qualquer lugar do mundo.

O I Encontro Natalense de Escritores veio para ficar?

Não sei. Espero que sim. Mas parabenizo a Capitania das Artes pela presença do poeta Antonio Cícero, quem há muito admiro. Cícero é autor de uma bela poesia, sem a obsessão pelo “novo”.



10 POEMAS de MARIZE CASTRO

À ESPERA

Porque nesta casa nada se oculta, eu te chamo.
Entre a vigília e o espelho, eu te espero.

Amo as palavras.
Por elas também virei homem.
Vi fúrias parindo fêmeas ávidas de linguagem.
Mulheres que deslizam.
Entregam-se. Desobedecem.
Dividem suas casas com os pássaros.
Mulheres que guardaram a senha:
fechar a porta a qualquer invasão.

Em silêncio, deixar cair
crucifixo, rosário, camafeu.

Nenhum véu. Nenhuma ilusão

PURA GEOMETRIA

Dos teus olhos
brotam lampejos de metáfora.

Não me espanto.

Corro o risco
de delinear essa zona.
Pura geometria.

Inevitavelmente pincelo teus labirintos
capturo tuas utopias.
Para tanta cumplicidade
não há mais limite.

Onde retomar o desejo?
Talvez reinventando o mistério
disperso na noite
peregrino de sexos, línguas e coxas.

Pensando em ti
às vezes de mim esqueço.

Retardo todos os regressos
e me limito
a sair do páreo, pela sombra.
Dualidade de quem jamais se encontra.



SÍNTESE

Sintetizo em ti
todos os meus desejos.

Não me oponho aos teus.

Que ressoem as espadas.
Que relinchem os corcéis.
Seremos sempre singulares
sobre esses inúteis céus.

Assim
meu corpo urde embriagado
teu corpo arde descompassado.

Desvio a rota.
Não há mais retorno.
Se não mais me oculto
nem cometo crimes
me disfarço em brinde.

COM VERTIGEM E PERÍCIA

Sob as torres de Gaudí,
acredito no amor como acredito e
— com vertigem e perícia.

Caminho pelos subterrâneos e revejo lendas
— fábulas que negros olhos me mostraram.

A beleza permanece com as faces lanceadas.
Como lhe falar da estupidez humana?

Tenho comigo o sudário marinho.
E com ele que sou puta e sagrada.
Celebro nesta noite
uma vida de pontiagudas adagas.

Porque estou só nestas ramblas
consigo contemplar certos mares
e certas sedes escandalosas.



EM SEGREDO

Durante visita a uma casa de Virginia Woolf

Nesta casa renasci.
Tempestade tudo que senti.
Celeste tudo que ficou.
Sob arcos de folhas
permaneço ilha
rasgando dias
guardando lendas,
urnas, trovões.
Esperando teu abraço,
teu chamado.
Ah, senhora loba,
que tudo sabe de mim,
cuida-me em segredo
neste paraíso carmim.

INTEIRA

Iluminada por oráculos
alimento anjos com asas quebradas.

Não é de vendaval que eu preciso
mas da língua do amor guardada à beira-mar.

Não entendo de círios
mas de verões e sargaços bailarinos.

Acolhida pela província,
arrisco-me a enlaçar orquídeas em árvores.

Sempre sofri.
Sempre tive febre.
Sempre estive inteira em todos os infernos
Nunca quis ser abandonada.
Mas aprendi a perder.

O naufrágio me ensinou a ternura dos afogados.


POEMA HAVERÁ?

haverá homem que não seja colina?
mulher que não seja nuvem?
criança que não seja milagre?
... o que o naufrágio fez com eles?
... deu-lhes fogo para ficarem belos?
asas para romperem céus?
barbatanas para voos oblíquos?
eu que ainda moro ao lado do mar
e me perfumo para abrir livros
deito entre aves e oro:
que a onda do amor
não adoeça
nenhum caminhante
encontre laços
nenhum rio
estacione.

ERMA

Recolho-me tão profundamente
que tudo me alcança:
mísseis, desastres, lanças.

Recostada ao rosto de Deus
pedi-lhe a fé perdida
a palavra antiga – invencível.

Ele me deu o mar no nome
e uma fome borgeana, dizendo-me:
Eis sua herança, jovem senhora
de velhíssima alma e furiosas lembranças.



NÉCTAR

A verdade aproxima-se.
Olha-me com os olhos
abismados da beleza.

Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.

Sou todas elas.

Escrever me fez suportar todo incêndio

– toda quimera.

PRECE

Quem aqui me trouxe
brincava de ser Deus.
Banhou-me em águas turvas.
Desenlaçou-me.

Se não sou amada, adoeço.
Sigo para o último abismo.
Vou ao encontro da fêmea
tatuada de auroras.

Ajoelho-me.

Oro pela fragilidade das horas.

marize castro

9 comentários:

Augusto B. Medeiros disse...

Muito bom. Bom fragmento....sim, a poesia existe independente dos aplausos!

Rita Atir Guedes disse...

Amigo , ela é o máximo. Adorei a entrevista e os poemas maravilhosos!

Márcio Benjamin disse...

Linda entrevista, parabéns!

Ana Maria Almeida disse...

Apesar da sisudez da poeta, a entrevista é muito boa. Perguntas certeiras. Parabéns.

Ana Maria Almeida disse...

Um paraíso o seu blog. Postagens sensíveis e inteligentes. Ganhou uma leitora.

Anônimo disse...

Conheci a poesia

Rui Blás disse...

Blog precioso, um baú de tesouros. Obrigado.

Inácio Meirelles disse...

Belíssimo blogue. Parabéns.

Renata S. disse...

Poesia dá vida sabor, revela os sentimentos que eu sinto e nem sempre posso expressá-lo por mim mesmo!