Ilustração: ERIC PAUTZ
(Porto Alegre, Rio Grande
do Sul. 1974)
Em céu dourado de
entardecer, pássaros seguem rumo ao horizonte voando em formação semelhante a
um arco. Apelo irresistível atrai esses migrantes, que partem em busca da
sobrevivência tão logo se manifestam os sinais de escassez de alimento e de
mudanças no clima. Ainda que correndo riscos extraordinários e despendendo alto
custo energético, se põem a caminho quando é chegado o momento. Não incomodam,
não desacatam, não resistem, não agridem. Harmoniosos e obedientes ao instinto batem
em retirada sem nos darmos conta de sua partida.
Desde a antiguidade, o
aparecimento e o desaparecimento de pássaros deixam os naturalistas inquietos.
Informações na anilha – um anel metálico colocado em algumas espécies, auxiliando
no rastreamento – revelaram, por exemplo, que uma batuíra abatida por um
caçador em São Paulo saíra de Washington, D.C., distante cerca de 10 mil
quilômetros. Falcões peregrinos voaram da Groenlândia à capital paulista,
enquanto um filhote de albatroz, anilhado em ilha próxima à Nova Zelândia um
mês antes, morreria a 6 km ao sul de Tramandaí, no Rio Grande do Sul.
Migrantes rumo ao
desconhecido, nossa peregrinação não é majestosa como a dos pássaros.
Distraímos-nos pela caminhada, perdidos em conflitos. Em compulsão, aceleramos o
carro para ver o pedestre que atravessa a rua se assustar e correr. Desprezamos
os velhos, aniquilamos o habitat e abatemos parceiros de migração. Em nome do
egoísmo e de toscas ambições, nos deixamos levar por uma espécie de instinto bárbaro
e individualista. Se por um lado, a ausência que dói é a que nos deixa
incompletos, por outro insistimos em preencher o vazio com a estupidez das
ambições.
Inflados pela expansão
avassaladora do ego, somos levados a crer que a vida só vale a pena se
chegarmos à fama e riqueza, vencedores de uma corrida onde ganham os que furam
filas, os que praticam a rapinagem com o dinheiro público, os que manipulam
covardemente a boa fé de seus iguais. Por isso tão poucos gastam o tempo a
perder com a bondade. Solidariedade, só negociada. Pobres de nós, solitários
migrantes para quem o nomadismo é o outro nome da liberdade. Ruidosos e
desengonçados, seguimos agitando asas feitas de ilusão, fincando nossa bandeira
como donos da História.
Já os pássaros deixam a
impressão de que a natureza os privilegiou com sabedoria e simplicidade. Um
terço das espécies catalogadas bate em retirada a cada ano e, destas, metade
morre no caminho ou permanece no exílio, enquanto a outra metade retorna ao
local de origem. Missão cumprida, a vida se renova. Quanto aos sonhos, também
eles os tem, encantadoramente singelos. Segundo a revista “Science”,
pesquisadores de Chicago concluíram que os pássaros sonham com seus cantos.
Talvez mais do que em
qualquer outra época, estamos deixando marcas que ferem a Terra. Ainda assim, continuamos
inchados de orgulho, como um dos personagens de Saint-Exupéry. De tanto
olharmos para o céu, contabilizamos centenas de planetas fora do Sistema Solar,
supondo a existência de outros mundos habitáveis. Acaso voltássemos no caminho
percorrido descobriríamos, envergonhados, que apenas deixamos um rastro de
infâmias. Se houvesse solidariedade pelo que nos foi dado, poderíamos, quiçá, voar
suavemente como os pássaros, legando ao futuro a mensagem de um mundo melhor.
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