O que dá o verdadeiro sentindo
ao encontro é a busca, e é preciso
andar muito
para se alcançar o que está perto.
JOSÉ SARAMAGO
ENTREVISTA: Jornal “O Coyote”
IMAGENS:
FRANCESCA WOODMAN
Prosador, poeta, blogueiro e jornalista, a escrita de ANTONIO NAHUD é
para sentir e ser absorvida. Ele é daqueles que, prontamente, sem limites, deixam
revelar a metáfora de si mesmos. Pois é
assim, de uma maneira muito solta e densa, que ele se apresenta. Na entrevista
a seguir, o escritor fala de suas diversas facetas, sobretudo a de cinéfilo,
assim como, claro, de viagens, do passado baiano, literatura e demais caminhos
da arte. Ele fala sem receio de se aprofundar, com a cabeça e o coração
conectados. Confiram.
01
Quem representa a Bahia e qual
tua preferência: Castro Alves, Jorge Amado ou Ivete Sangalo?
Difícil responder. Está tudo bem
confuso. As nossas identidades culturais mergulharam num nevoeiro aparentemente
sem fim e o descartável é celebrado com reverência. Não há espaço para um
representante oficial, qualificado, do espírito cultural baiano. Pelo menos que
se perpetue por mais de dois verões. Até os anos 80 ninguém superava o mestre
Jorge Amado nos quesitos prestígio e popularidade além-fronteiras. Quiçá o ACM. Na minha preferência, Castro Alves,
Dorival Caymmi, João Gilberto, Glauber Rocha, Jorge Amado, o acarajé e a Chapada Diamantina representam muito
bem a Bahia em qualquer lugar.
02
A Bahia te mandou embora?
De certa forma. Depois de viver mais
de uma década em tranquilas cidades europeias e, típico da maturidade, menos
afoito, não consegui me adaptar ao novo contexto social. Salvador é uma
metrópole caótica castigada impiedosamente pela violência. Toda a Bahia está em
tensão pelos atos violentos constantes, quase banalizados. O governo baiano
gasta os tubos em publicidade, mas pouco investe em segurança, turismo cultural
ou educação. É uma calamidade. Lembro a Bahia da adolescência, nos anos 80:
dengosa, divertida, faceira, criativa e afável. Apesar de tudo, amo profundamente a minha terra. Concluindo sua pergunta, essa
“nova Bahia” me fez procurar outro lugar para viver. Escolhi Natal. Não tolero
mais cidades super-povoadas. Coloquei na cabeça que Londres foi a derradeira
experiência nesse sentido.
03
Enfrentou problemas políticos na
Bahia ou assistiu aos espetáculos burocráticos de camarote?
Parti jovem para a Europa. Passei
lá uns doze anos. De longe, não me envolvi em questões políticas da Bahia. Vivia
noutro universo, separava radicalmente a literatura da política. Não conseguia me
interessar profundamente por aquele porão infestado de ratazanas. De volta ao Brasil, ao
aceitar um convite para um cargo político, passei por um verdadeiro curso sobre
o funcionamento medíocre da política local: ambições mesquinhas, vaidades
decadentes, trapaças que deixam muitos com fome. Foram dois anos complexos.
Pedi exoneração do cargo, deixei literalmente as crenças no
valor partidário, e parti, sem saudades.
04
Tem zelo por relações políticas
ou “o fim é o princípio e o poeta é o mundo”?
Já não zelo por nenhum figurão
político, embora possam surgir surpresas a qualquer momento que me ressuscitem
ideologicamente, quem sabe... Mas continuo a ser um combatente sem partido, tipo o chato
lúcido ou “a voz da verdade”. Faz parte da vidinha. Ao trabalhar em
campanhas políticas, como assessor de comunicação, não me envolvo ideologicamente.
Faço o trabalho de execução discreta, profissional. O poeta contemporâneo não
pode ser mais definido como nos versos de Florbela Espanca: “Ah! Podem voar
mundos, morrer astros. Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”. Não somos
mais nada. A poesia sobrevive como encantamento privado de poucos. Poesia hoje é
ser jogador de futebol, mostrar o corpo esquelético em passarelas ou participar
de reality-shows. Cada geração tem a
“poesia” que merece.
05
O que fazes atualmente em Natal?
Continuo escrevendo para publicações além do Rio Grande do Norte. Crônicas ou matérias especiais para
jornais/revistas da Bahia, Minas, São Paulo e Portugal. Acabei de finalizar uma
longa reportagem sobre a cultura dos Orixás na Bahia, encomendada por um jornal
português. Colaboro com inúmeros blogues. Edito dois blogues que me empolgam e,
felizmente, são requisitados. Por fim, sou assessor literário de Diogenes
da Cunha Lima e estou numa densa pesquisa que dará origem a
biografias de reitores da UFRN.
06
Natal tem que “nascer” novamente
ou as dunas e as praias nos salvam?
Moro
em Natal há pouco tempo. Seria frívolo de minha parte julgá-la. Tenho vida
social reservada, saio pouco, divirto-me mais passando finais-de-semanas num
dos belos recantos provincianos do RN. Cansei de festas elegantes e vida
boêmia. Também sou suspeito em emitir uma opinião lúcida, pois aprecio essa
brejeirice local.
07
Se considera cinéfilo e poeta
ou termos do gênero se tornaram miudezas de uma cultura decadente?
Descobri o mundo através da
literatura e do cinema. Eles surgiram na minha vida praticamente ao mesmo
tempo. Não conseguiria separá-los. Tanto que minha literatura é bastante
influenciada por um certo ritmo cinematográfico. No entanto, no momento, me
considero mais cinéfilo que poeta. Pretendo, inclusive, não voltar a publicar
poesia. Esgotei-me nessa batalha árdua. Ficarei com a prosa. Com ela há sempre retorno. Acredito que o escritor sem leitores é como um
ser humano sem espelho.
08
Sobre o que trata seus livros?
Não tenho temática
específica, um estilo único e reconhecível. Tanto que Hilda Hilst me disse
certa vez que para me tornar um verdadeiro poeta eu teria que esquecer o
mundano e inventar um “mundo real” na poética. Posso garantir que escrevo com sinceridade e intimismo. Publiquei livros de poesia, contos, crônicas,
contos e até biografias. São filhotes com personalidade própria que carregam
meu pensamento.
09
Como é publicar um livro de
poesias no Brasil? Qual foi o caminho que o seguiu?
Eu sempre tive sorte, se assim
pode se dizer. Nunca enviei originais para grandes editoras e me recuso a
participar de concursos literários, pois não acredito na honestidade deles.
Felizmente, pequenas editoras publicam meu trabalho. Assim aconteceu em Portugal,
onde saiu “Ficar Aqui Sem Ouvido Por Ninguém”, e na Bahia, com “Suave é o
Coração Enamorado” e “Livro de Imagens”. O livro de estréia, “O
Aprendiz do Amor”, foi uma produção independente, que eu banquei com economias.
Os problemas das pequenas editoras são as tiragens limitadas e a distribuição capenga, obrigando o autor a participar de enfadonhos encontros
literários, feiras de livros e bienais para divulgar sua obra. E sem qualquer
marketing apoiando-o.
10
Participa de saraus, lançamentos
de livros e aparece nas fotos da alta sociedade ou se considera um poeta
marginal?
Durante muito tempo gostei de
saraus. Fiz leituras de poemas num bar londrino ao lado do mitológico poeta beat Lawrence Ferlinghetti, participei
desnudo do “Naked Poets” e interpretei versos no Castelo de Duíno, onde Rilke
escreveu suas “Elegias”. Não sou um poeta oral, performático, tenho uma certa
timidez. Assim sendo, deixei de participar de saraus. Porém, não vivo numa
ilha, tampouco me considero um poeta marginal. Frequento lançamentos para
prestigiar amigos ou escritores. É um esforço que me deixa entediado. Costumo aparecer em colunas sociais. Talvez
por conhecer muitos jornalistas e colunistas sociais. Infelizmente nos dias
de hoje, nenhum agente cultural sobrevive por muito tempo se seu produto não
estiver na mídia.
11
Você acha que, no Brasil, o
imaginário foi trocado pelo Ministério da Cultura? Temos muito a perder com
isso?
O artista brasileiro depende
basicamente de editais, leis, financiamentos públicos. Supostamente não existe censura
e a liberdade de criação é ampla, mas não é verdade, existe um pente fino
invisível, discreto. Muitas vezes parte do próprio artista que idealiza seu
projeto com temáticas politicamente corretas para facilitar a captação de
recursos. O que temos a perder com isso? Muito! Toda arte que depende de
benefícios públicos não gera movimentos artísticos inovadores, duradouros,
autorais. Pode olhar o Brasil, não há nenhuma mobilização
coletiva artística pertinente. No cinema, depois que o Cinema Novo se acabou, os cineastas abraçaram a
Embrafilme, a Petrobras, bancos estatais, o Ministério da Cultura etc. Nunca
mais nada de novo no front. Surge um ou outro bom filme, mas jamais uma
corrente estética que fique na história.
12
Há algo que gostaria de dizer que
ainda não foi mencionado nesta entrevista?
Agradeço pela oportunidade. Senti-me
atraído pelo “O Coyote” desde que o vi pela primeira vez, numa banca da Afonso
Pena. Lembrei-me dos meus tempos de estudante. Eu e mais dois colegas publicávamos
mensalmente “Narciso”, um tablóide irreverente, honesto, apaixonado.
Costumávamos estampar chamadas de arte e cultura na capa, excluir notícias
policiais e falar de política com distanciamento. Era bacana: as reuniões de
pauta, a criação grupal do layout, a
distribuição direcionada etc. Durou um bom tempo. Só se acabou porque tomamos
rumos diferentes. Até hoje, quando vou à Bahia, encontro alguém que me diz:
“Olha, tenho um exemplar do ‘Narciso’ guardado”, deixando-me deveras contente.
Jornal “O Coyote”
Natal, Rio Grande do Norte,
Natal, Rio Grande do Norte,
2012
RETRATO de
ANTONIO
Prosa
“Memórias de
Adriano” (1951)
Marguerite
Yourcenar
Poesia
“Folhas de
Relva” (1855)
Walt
Whitman
Poeta
Rainer Maria
Rilke
Romancista
Thomas Mann
Contista
F. Scott Fitzgerald
Cronista/Ensaísta
Susan Sontag
Dramaturgo
William
Shakespeare
Filósofo
Voltaire
Crítico
Bárbara
Heliodora
Jornalista
J. R. Guzzo
Filme
Estrangeiro
“Rashomon”
(1950)
Akira
Kurosawa
Filme
Brasileiro
“Abril
Despedaçado” (2002)
Walter
Salles
Cineasta
Ingmar Bergman
Roteirista
Tonino
Guerra
Atriz
Simone
Signoret
Ator
Jean Gabin
Fotógrafo
Pierre
Verger
Pintura
“Caminhante
sobre o Mar de Névoa” (1818)
Caspar
David Friedrich
Pintor
Paul Gauguin
Escultor
Alberto
Giacometti
Estilo
Musical
Jazz
Disco
“Closer”
(1980)
Joy Division
Canção
“Eu Sei que
Vou te Amar” (1959)
Tom Jobim
e Vinicius de Moraes
Ópera
“Carmen”
(1875)
Georges
Bizet
Compositor
George
Gershwin
Cantora
Nina Simone
Cantor
Leonard Cohen
Coreógrafo
Maurice
Béjart
Dançarina
Margot
Fonteyn
Dançarino
BIOGRAFIA
As terras-do-sem-fim amadianas, sem dúvida, tem importância na sua literatura.
Ele escreveu sobre a fauna e a flora da região cacaueira, seus artistas e
costumes, numa memória viva dispersada em livros, blogs, jornais e revistas do
Brasil e Portugal. De descendência portuguesa e libanesa, publicou o primeiro
livro, “O Aprendiz do Amor”, em 1993. Jornalista, mudou-se para a Europa em
1994, mergulhando noutro mundo. Como resultado, centenas de entrevistas,
matérias, crônicas, contos e poemas, publicando também mais sete livros, em
diversos gêneros (três deles em Portugal). Cobriu os principais festivais de
cinema e bienais de literatura da Europa para jornais de renome como Folha de
S. Paulo, O Tempo (MG), A Tarde (BA) etc. Mora em Natal, no Rio Grande do
Norte, editando os blogues “O Falcão Maltês – Uma Viagem Apaixonada pela
História do Cinema” e “Cinzas e Diamantes – Panorama do Pensamento Artístico”,
participando de encontros literários e finalizando um livro de
contos que será lançado ainda este ano, “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar
Humano”.
6 comentários:
Agora minha porcao dona de casa , depois comento com o maior prazer
Parabéns amigo. Li, assim, no silêncio: Não é o que dizem; silêncio é respeito, então!?
Gostei muito! Você é um ser completo!❤❤❤
Bom conhecê-lo melhor. Ótima entrevista!
Amei a entrevista
A entrevista ótima. As fotografias surpreendentes, entre o sonho e o pesadelo.
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