Quem não lê
não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.
PAULO FRANCIS
PAULO FRANCIS
(1930 – 1997. Rio de
Janeiro / RJ)
Ilustrações:
LOUIS JANMOT
(1814 - 1892. Lyon /
França)
PARTE 1
Há muito se alerta sobre o empobrecimento da linguagem nos meios
de comunicação. Seminários e encontros, no exterior e no Brasil, debatem sobre
a responsabilidade dos jornalistas como modelo do uso da língua. Assim como
certamente muitos outros, orgulho-me de ter aprendido a ler com o convívio
diário de jornais e revistas apresentados por meu pai, um ávido e versátil
leitor. A ler ensinaram-me na escola, óbvio; ao que me refiro é a compreender e
deleitar-me com a leitura. Hoje sei que o constante passar de olhos na
“Ilustrada” e no “Folhetim”, da “Folha de S. Paulo”, tornou-me jornalista, muito
antes de militar na área. Recortava, guardava numa pasta, lia e relia Sérgio
Augusto, Pepe Escobar, Matinas Suzuki Jr., Otto Lara Rezende, Luís Antônio
Giron, Mário Sérgio Conti e – naturalmente – o mestre Paulo Francis. Textos
elegantes, aprofundados; análises inquietantes que me ajudavam, efetivamente, a
tomar decisões. Terminei por acreditar que o jornalista tem uma complexa
responsabilidade. Sem pretendê-lo, converte-se em referência linguística para
gente da sociedade informada. Afinal, quem resiste a uma matéria inteligente e
bem escrita?
O verbo é o rei, analógico
ou virtual, pois dele nasce o pensamento. É de domínio público que o excesso de
informação superficial é a maneira moderna de estar desinformado. Somente
driblando os mutáveis truques dos meios de comunicação para não ser ludibriado
pelas miragens marqueteiras. Nesse contexto, o jornalista deve refletir
sobre sua responsabilidade no uso da informação e do idioma. A clareza da
linguagem garante a clareza da informação. O profissional que cuida das
palavras – evitando acumular redundâncias e pleonasmos ou flerte com palavras
de outras línguas - geralmente é cuidadoso com a informação. É difícil encantar
o leitor se não conhecemos e louvamos as palavras que utilizamos. Um jornalista
que não tem um bom conhecimento do seu idioma e não faz um uso exemplar dele,
deve mudar de profissão, evitando assim a exposição pública da mediocridade. A credibilidade e o prestígio de um jornal são
inseparáveis da qualidade e respeito pela língua.
PARTE 2
Existem tendências atuais que, de certa maneira, descuidam e
prejudicam o uso do idioma: o virtual, a globalização e a vulgarização da
linguagem em programas de rádio e televisão. O predomínio do audiovisual gerou
leitores com insuficiente capacidade intelectual. A palavra tosca se espalha
como um vírus devastador, com ofertas e descontos, crescendo a cada dia o desprestígio
da linguagem nos meios de comunicação. Para combater essa banalização
democrática se necessita de elegância, rigor, relevância. Como recomendou Gay
Talese, um dos fundadores do New
Journalism, “o jornalista precisa descrever a realidade com o cuidado e o
talento de quem escreve um romance”. A notícia se fortalece quando escrita como
ficção; pronta para ser lida com prazer. Lembremos, sempre, que a tarefa do
jornalismo classudo é narrar para o cidadão, da melhor maneira, o que ele não
saberia de outro jeito. Simples assim.
Sabe-se que é cada vez mais frequente a fusão entre informação,
opinião e propaganda. Vem dos interesses econômicos e políticos dos grupos de
comunicação. Isso atrapalha o leitor, que muitas vezes não sabe se está lendo
um informe verídico ou publicitário. Desta forma, a notícia se converteu em uma mercadoria vendável, muitas vezes sem rumo ou prumo, descartável, ou
ainda pior, nociva e corrupta. E como
perguntar não ofende, por que se permite que assessores de políticos ou
empresas colaborem diretamente com a mídia? A imprensa hoje, mais do que em
qualquer época, esta sendo pautada pelas informações vindas dos gabinetes do
poder, sem qualquer verificação da veracidade. Cada declaração oportunista de
políticos notórios é reproduzida por jornais, canais de televisões, emissoras
de rádio, sites e blogs, sem, contudo, representar algo de novo ou substancial.
O leitor se cansou do denuncismo mediático. Sobram acusações, mas faltam
análises das denúncias, deixando de respeitar os fatos, o
compromisso com a verdade, a independência, a integridade.
PARTE 3
Os jornais impressos perdem leitores em todo o mundo.
Prisioneiros das regras ditadas pelo marketing estão parecidos, previsíveis e, consequentemente,
enfadonhos. Não desnudam o que o ganancioso comercial esconde. O leitor quer
algo mais, enfastiou-se do insosso. Menos história oficial e mais consistência. Pede realismo, ética,
qualidade e um bom uso da linguagem. No fundo, ele sabe que nada, nada mesmo,
supera a qualidade do conteúdo. Somente um produto consistente tem a marca da
permanência. Somente um jornalismo inteligente e digno seduz verdadeiramente.
Qualidade editorial e credibilidade são, em todo lugar, a única fórmula para
atrair novos leitores e anunciantes. Noutra estratégia, o jornalismo deixa de
ser relevante. Mesmo com pedras no caminho, acredito
que o jornalismo de qualidade continuará existindo, embora esse somente possa ser
produzido por profissionais tarimbados, independentes e dedicados.
2010
Publicado na revista Profashional (SP)
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