agosto 26, 2018

............................... NA PONTA da LÍNGUA: LINHAS TORTAS


  
Quem não lê não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo. 
PAULO FRANCIS
(Rio de Janeiro, RJ. 1930 – 1997)

Ilustrações:
LOUIS JANMOT
(Lyon, França. 1814 - 1892)


PARTE 1

Há muito se alerta sobre o empobrecimento da linguagem nos meios de comunicação. Seminários e encontros, no exterior e no Brasil, debatem sobre a responsabilidade dos jornalistas como modelo do uso da língua. Assim como certamente muitos outros, orgulho-me de ter aprendido a ler com o convívio diário de jornais e revistas apresentados por meu pai, um ávido e versátil leitor. A ler ensinaram-me na escola, óbvio; ao que me refiro é a compreender e deleitar-me com a leitura. Hoje sei que o constante passar de olhos na “Ilustrada” e no “Folhetim”, da “Folha de S. Paulo”, tornou-me jornalista, muito antes de militar na área. Recortava, guardava numa pasta, lia e relia Sérgio Augusto, Pepe Escobar, Matinas Suzuki Jr., Otto Lara Rezende, Luís Antônio Giron, Mário Sérgio Conti e – naturalmente – o mestre Paulo Francis. Textos elegantes, aprofundados; análises inquietantes que me ajudavam, efetivamente, a tomar decisões. Terminei por acreditar que o jornalista tem uma complexa responsabilidade. Sem pretendê-lo, converte-se em referência linguística para gente da sociedade informada. Afinal, quem resiste a uma matéria inteligente e bem escrita?

O verbo é o rei, analógico ou virtual, pois dele nasce o pensamento. É de domínio público que o excesso de informação superficial é a maneira moderna de estar desinformado. Somente driblando os mutáveis truques dos meios de comunicação para não ser ludibriado pelas miragens marqueteiras. Nesse contexto, o jornalista deve refletir sobre sua responsabilidade no uso da informação e do idioma. A clareza da linguagem garante a clareza da informação. O profissional que cuida das palavras – evitando acumular redundâncias e pleonasmos ou flerte com palavras de outras línguas - geralmente é cuidadoso com a informação. É difícil encantar o leitor se não conhecemos e louvamos as palavras que utilizamos. Um jornalista que não tem um bom conhecimento do seu idioma e não faz um uso exemplar dele, deve mudar de profissão, evitando assim a exposição pública da mediocridade. Não há como se enganar: a credibilidade e o prestígio de um jornal são inseparáveis da qualidade e respeito pela língua.

PARTE 2

Existem tendências atuais que, de certa maneira, descuidam e prejudicam o uso do idioma: o virtual, a globalização e a vulgarização da linguagem em programas de rádio e televisão. O predomínio do audiovisual gerou leitores com insuficiente capacidade intelectual. A palavra tosca se espalha como um vírus devastador, com ofertas e descontos, crescendo a cada dia o desprestígio da linguagem nos meios de comunicação. Para combater essa banalização democrática se necessita de elegância, rigor, relevância. Como recomendou Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism, “o jornalista precisa descrever a realidade com o cuidado e o talento de quem escreve um romance”. A notícia se fortalece quando escrita como ficção; pronta para ser lida com prazer. Lembremos, sempre, que a tarefa do jornalismo classudo é narrar para o cidadão, da melhor maneira, o que ele não saberia de outro jeito. Simples assim.

Sabe-se que é cada vez mais frequente a fusão entre informação, opinião e propaganda. Vem dos interesses econômicos e políticos dos grupos de comunicação. Isso atrapalha o leitor, que muitas vezes não sabe se está lendo um informe verídico ou publicitário. Desta forma, a notícia se converteu em uma mercadoria vendável, muitas vezes sem rumo ou prumo, descartável, ou ainda pior, nociva e corrupta. E como perguntar não ofende, por que se permite que assessores de políticos ou empresas colaborem diretamente com a mídia? A imprensa hoje, mais do que em qualquer época, esta sendo pautada pelas informações vindas dos gabinetes do poder, sem qualquer verificação da veracidade. Cada declaração oportunista de políticos notórios é reproduzida por jornais, canais de televisões, emissoras de rádio, sites e blogs, sem, contudo, representar algo de novo ou substancial. O leitor está se cansando do denuncismo mediático. Sobram acusações, mas faltam análises das denúncias, deixando de respeitar os reflexos dos fatos, o compromisso com a verdade, a independência, a integridade.

PARTE 3

Os jornais impressos perdem leitores em todo o mundo. Prisioneiros das regras ditadas pelo marketing estão parecidos, previsíveis e, consequentemente, enfadonhos. Não desnudam o que o ganancioso comercial esconde. O leitor quer algo mais, enfastiou-se do insosso. Menos história oficial e mais consistência. Pede realismo, ética, qualidade e um bom uso da linguagem. No fundo, ele sabe que nada, nada mesmo, supera a qualidade do conteúdo. Somente um produto consistente tem a marca da permanência. Somente um jornalismo inteligente e digno seduz verdadeiramente. Qualidade editorial e credibilidade são, em todo lugar, a única fórmula para atrair novos leitores e anunciantes. Noutra estratégia, o jornalismo deixa de ser relevante. Ainda assim, mesmo com pedras no caminho, acredito que o jornalismo de qualidade continuará existindo, embora esse somente possa ser produzido por profissionais tarimbados, independentes e dedicados que escrevam tão bem quanto romancistas.

2010
Publicado na revista Profashional (SP).

SETE VEZES LOUIS JANMOT

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