FOTOS: FULVIO ROITER
(Meolo, Itália. 1926 - 2016)
Meu amigo Alceu. Um artista plástico que faleceu jovem, no dia 22 de
junho de 1989, aos 36 anos de idade, após longos dias em coma, resultado de um terrível
acidente automobilístico, na BR 101, entre as cidades de Itabuna e Camacã. ALCEU
PÓLVORA nasceu em 1952, na Fazenda Nova Esperança, município de Barro Preto, sul
da Bahia, terras do sem fim do mestre Jorge Amado. Em 1955, sua família
mudou-se para Itabuna. No final dos anos 60, ele foi para Salvador concluir os
estudos, como era habitual na época. Em 1973 foi a vez da Europa, expondo em
Genebra, na Suíça, e por lá ficando durante três anos. Na Suíça sua arte
cresceu e apareceu.
Pintava com sensibilidade privilegiada, mas tem
uma obra pouco conhecida, que traduz um futurismo complexo, mutante e agressivo. Desenhista
minucioso, sua trajetória entre o bico-de-pena, o realismo social, a ilustração
de livros e o festivo na exploração da decoração carnavalesca - sem esquecer mulheres
sofisticadas e sensuais em convites, ilustrações de revistas e anúncios
publicitários -, pouco revelam o pintor talentoso, profundo, labiríntico, capaz
de transitar entre a origem sul-baiana e o mundo.
Sua criação experimental, na utilização da
matéria e da cor, tem paradeiro desconhecido, distante de uma retrospectiva
espetacular, marcada algumas vezes e, por um motivo ou outro, adiada. Lembro-me
de ter visto algumas de suas telas há anos. Que emoção! Na hora pensei no poeta
Haroldo de Campos escrevendo sobre Hélio Oiticica: “O labirinto é o âmbito onde
pairam, naturalmente, os seus ninhos sem pássaros, mas que pediam, pela
ausência de pássaro, o voo que ele depois iria restituir a esses ninhos,
através de Parangolé, onde o ausente pássaro passa a ter as asas com as quais
desprende o seu voo.”. Estive cara a cara com os ninhos sem pássaros de ALCEU PÓLVORA,
prontos para o voo. Vi anjos metálicos, mulheres estranhas, violência, existencialismo,
o sensorial, o erótico, o profano, o medo, a voragem do cotidiano. Avistei também
chispas do filme expressionista “Metrópoles” de Fritz Lang e da arte russa de Wassily
Kandinsky e Piet Mondrian.
Era leal e divertido. Fizemos planos: o
artista ilustraria um livro meu de poesia, “Sangue Ruim”, e criaria o cenário da
peça “Louco para Amar”, do norte-americano Sam Shepard, que eu tentei montar na
Bahia com a atriz Eva Lima como protagonista. Os projetos não se realizaram. Eu estava envolvido
com a TV Cabrália, ALCEU PÓLVORA trabalhando com decoração carnavalesca e
publicidade. Resguardamos parte do fervor criativo em conversas deliciosas e
afiadas na casa número 27 da rua Querubim de Oliveira, no bairro do
Pontalzinho, em Itabuna. Entre diversos questionamentos, papos sobre o barroquismo
de Osmundo Teixeira, as marinhas de Valdirene Borges, o décor em concreto
de Richard Wagner e o regionalismo sintético de Renart. Certa vez, contei-lhe um
sonho em que eu estava na pele de Lord Byron, poeta inglês romântico do século
XVII. Ele perguntou, rindo: “Será que você vai ser consumido pelo desatino
amoroso?”.
Ria muito, era uma figura alegre. Fazia parte do
seu caráter jovial. Gostava da sensação de existir. Quando eu fazia pose de anjo caído, insinuando
dramático uma “alma sombria”, ele contava uma piada politicamente incorreta e as
trevas iam embora imediatamente. ALCEU lia pouco, muito pouco. Certa vez, para
minha surpresa, ofereceu-me “Rock Hudson – History”, biografia do ator
hollywoodiano. Não gostei. Retribui o presente com “O Cemitério Marinho”, do
poeta francês Paul Valéry, imaginando que poderia criar uma série de telas inspirada
no livro genial. Mas não teve tempo. O querido
amigo deixou esse mundo muito cedo. Ainda hoje, décadas passadas, recordo seus
olhos brilhantes, sorriso prateado, humor ácido e sonhos artísticos. Realmente a vida é
um sopro.
alceu pólvora (1952 - 1989) |
tela de alceu pólvora |
Um comentário:
Eu tenho um lindo vitral denominado por Alceu como: A prostituição. Do ano de 1974
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