Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
FERNANDO PESSOA
(1888 – 1935. Lisboa / Portugal)
um poeta-freak, cristão-alquimista,
druída-mensageiro, amante-solitário,
pacífico-conservador, sioux-cigano,
aventureiro-metafísico, marinheiro-guerreiro,
cibernético-gótico, filósofo-jardineiro sou
Ilustrações:
ALEXANDER KANOLDT
(1881 – 1939. Karlsruhe / Alemanha)
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
FERNANDO PESSOA
(1888 – 1935. Lisboa / Portugal)
um poeta-freak, cristão-alquimista,
druída-mensageiro, amante-solitário,
pacífico-conservador, sioux-cigano,
aventureiro-metafísico, marinheiro-guerreiro,
cibernético-gótico, filósofo-jardineiro sou
Ilustrações:
ALEXANDER KANOLDT
(1881 – 1939. Karlsruhe / Alemanha)
prefácio
A
certa altura da leitura de “Na Teia do Destino Azul”, livro de poemas de
Antonio Nahud, o leitor terá que fazer uma inflexão interior para reencontrar
seu lugar próprio no mosaico de colagens, paráfrases e imagens que o
incorporam, e do qual resulta uma escrita labiríntica como um novo dédalo. Uma
espécie de panteísmo reatualizado acena a cada parágrafo, a cada título, mesmo,
que Nahud semeia aleatoriamente, quase por descuido, diríamos, nas linhas e
entrelinhas de seus poemas, como a divertir-se em propor enigmas ou a incorrer
no risco das aporias sob o dossel da escrita poética.
Poesia do eu, mas também de um indiscernível “nós”, genérico e indefinido que tanto pode ser a voz de Epicuro, como um Espinosa ou um Agamben, entre outros nomes disseminados e incorporados à persona do poeta, a escritura de “Nas Teias do Destino Azul” se espalha como água revolta impelida por ventos desordenados, sem nunca achar seu leito próprio, o que a força a repousar sobre leitos provisórios, até que um novo impulso a lance em busca de seu legítimo, mas incerto, leito.
Há toda uma poética implícita na poesia de “Nas Teias do Destino Azul”, como quando Nahud diz, empregando os termos mais triviais, de seu próprio ofício: “O poeta é um habitante do verso”. E aí está longe da concisão metafórica do vocábulo “habitante”. Antes, se identifica com a confraria dos poetas do Aberto (reportando-se ao conceito popularizado por Agamben), a que chegaram outros poetas, como o americano Robert Frost, o português Ruy Bello, o francês Francis Ponge e o brasileiro Manoel de Barros. E, por que não, Vinicius de Moraes, o poeta da flor (“Para uma Menina com uma Flor”)?
Não é menos verdade afirmar, portanto, que Nahud cultiva as invenções líricas com a determinação de um obstinado: “Olhares são marés vivas que devoram / o mundo”; ou “Quero estar no campo desprotegido / como árvore”. Enfim, a leitura de “Nas Teias do Destino Azul”, que não por acaso é encimada por uma epígrafe de outra confissão mais antiga, tecida por motivações distintas, é, em grande medida, uma reflexão sobre a transitoriedade da vida e a advertência horaciana do Carpe Diem.
Chega em boa hora, portanto, essa poesia gerada pelas metamorfoses do eu lírico de Nahud, a nos lembrar que o tempo, o nosso tempo, que é também o tempo agostiniano, diferentemente do tempo do Absoluto, conta-se em anos “que vão e vêm, para que todos venham”.
Poesia do eu, mas também de um indiscernível “nós”, genérico e indefinido que tanto pode ser a voz de Epicuro, como um Espinosa ou um Agamben, entre outros nomes disseminados e incorporados à persona do poeta, a escritura de “Nas Teias do Destino Azul” se espalha como água revolta impelida por ventos desordenados, sem nunca achar seu leito próprio, o que a força a repousar sobre leitos provisórios, até que um novo impulso a lance em busca de seu legítimo, mas incerto, leito.
Há toda uma poética implícita na poesia de “Nas Teias do Destino Azul”, como quando Nahud diz, empregando os termos mais triviais, de seu próprio ofício: “O poeta é um habitante do verso”. E aí está longe da concisão metafórica do vocábulo “habitante”. Antes, se identifica com a confraria dos poetas do Aberto (reportando-se ao conceito popularizado por Agamben), a que chegaram outros poetas, como o americano Robert Frost, o português Ruy Bello, o francês Francis Ponge e o brasileiro Manoel de Barros. E, por que não, Vinicius de Moraes, o poeta da flor (“Para uma Menina com uma Flor”)?
Não é menos verdade afirmar, portanto, que Nahud cultiva as invenções líricas com a determinação de um obstinado: “Olhares são marés vivas que devoram / o mundo”; ou “Quero estar no campo desprotegido / como árvore”. Enfim, a leitura de “Nas Teias do Destino Azul”, que não por acaso é encimada por uma epígrafe de outra confissão mais antiga, tecida por motivações distintas, é, em grande medida, uma reflexão sobre a transitoriedade da vida e a advertência horaciana do Carpe Diem.
Chega em boa hora, portanto, essa poesia gerada pelas metamorfoses do eu lírico de Nahud, a nos lembrar que o tempo, o nosso tempo, que é também o tempo agostiniano, diferentemente do tempo do Absoluto, conta-se em anos “que vão e vêm, para que todos venham”.
NELSON PATRIOTA
(1949 – 2021. Natal / Rio Grande do Norte)
poeta, crítico literário e tradutor
01
São de palavras, o chão de minha casa,
construída numa floresta de símbolos.
Quero ser habitante da essência azul,
arquiteto da emoção e da beleza.
02
A palavra aproxima-se do poema
procurando o movimento da escrita,
como folhas ao vento. Ofuscada
pelo ouro do sol interior, traça
linhas possíveis nas sombras do texto,
iluminando verdades secretas.
03
O sonho está contido nas palavras,
no corpo desnudo e liberto, ou
na luz magna azulada do espírito,
aqui, comigo, nos versos.
O desenterramento do ser
dando existência ao poema.
04
Em Rimbaud bebi a profunda desordem da criação.
Com Carroll vi que o fundo da literatura é a imaginação.
De Dostoievski sofri o humanismo da sua condição .
Através de Clarice senti o seu caráter intimista.
E com Hesse descobri a chave para o espírito.
05
O poeta é um habitante do verso.
Desce dos céus futuros, rompendo horizontes.
Na sua presença, estremecem os corações
na horizontal secura do erotismo banal.
Aventureiro, lê o destino azul do ser.
É o abrigo de todo o amor.
O leito de toda a confiança.
Um dia, partirá p’raterra incógnita,
com um golpe de vento,
deixando palavras adubadoras
na erma planície mortal.
06
Escrevamos as linhas nossas
nos trilhos do coração, esperando
por uma revelação radical,
que não necessite de palavras,
e contudo, nos una como irmãos.
07
Quero estar no campo desprotegido
como árvore. Sentir nas
raízes a vasta atmosfera do todo.
Deixar correr nas veias a comoção
da liberdade de ser único,
na planície do mundo.
Volver os ramos para o céu
que me interroga, e acolher os
bem-aventurados pássaros
na copa da existência.
08
Sou o fogo que desperta o amanhecer
em países inventados no coração.
Sou o incorruptível de uma cabeça iluminada
a força da justiça que há-de vir.
E do mistério venho, para ele vou,
do sangue azul para a terra, dela sou.
09
Sou livremente obrigado a ser justo,
equilibrado. A fazer da cruz o sinal
com meu corpo feito ave da luz,
que brilha, oculta, da massa vazia,
tal diamante sagrado, lanterna
em noite tenebrosa, a guiar, misteriosa,
meu barco, para o porto de ser
obrigatoriamente resiliente,
na consciência de um mundo azul.
10
Viajei de carro e de comboio, de navio,
de avião, e com meus benditos pés.
Continentes, florestas, desertos.
Dormindo sobre fendas e abismos
com as feras a rondar a poesia
à vastidão da dor e da esperança.
Vida de aventura, amor, rebeldia,
nas águas profundas do desmundo.
Ao deus azul da juventude,
Ergo a bandeira da liberdade
que ainda hoje respeito.
11
Desembarquei minh’ alma nesta terra,
com a liberdade esmagada sob as pedras
da hipócrita moral inquisidora. Luto,
desde então, para encontrar
um lugar no coração:
enquanto incendeiam a última flor.
Mas esta terra não é livre, há muito
se queimou nos fogos que ateou.
12
Estamos, assim, atirados
no mundo, imponderáveis,
como o vôo de um pássaro azul
espreitado pela mira de um
destino, que ora resplandece
no susto da revelação,
ora se oculta na enigmática
existência. Máscaras do
mesmo, por vezes,
eternamente regressando
em direção ao vazio.
13
Olhares são marés vivas
que devoram o mundo.
Alguns há, que assustam.
Outros, tão frágeis, suaves,
duram a vida da borboleta,
deixam marcas profundas
na surpreendente arena da vida.
São esses raros, delicados, que eu amo.
14
Tudo flui…as relações entre as pessoas
cada vez mais imponderáveis,
inquietantemente inexplicáveis.
Qualquer palavra é ambígua,
obscura, total, inapreensível,
secretamente contraditória,
explicitamente fulgurante.
Um momento: uma verdade.
Somos ilhas ocultas.
15
Ficarão as manhãs de jasmim intenso,
que se repetirão sem mim,
as manhãs em que a maresia
embriagava infâncias azuis. Passeios
em jardins à beira-mar, nas longas tardes
de verão. Velas, ondas, pássaros, ventos,
beijos verdes, risos, tênues lembranças.
Assim me eternizo.
16
Você é a flor azulada que amo,
encontrada no acaso dos dias, e
tem a absoluta naturalidade de estar
no meu coração, perfumando, como parte
do meu desatino, sendo sempre flor, para mim,
no meu destino, numa floresta sem ninguém,
companheiro imortal, sem fim.
17
Ao dizer-me adeus ao meu mundo azul,
tornou-se meu invisível anjo da guarda.
18
Um poeta louco numa noite. Um louco
aventureiro num castelo inventado.
O aparente vazio de seu espírito, iluminado,
contudo, pela presença de uma mística lua,
nos fragmentos de sua arte. Cego de
excesso de magia lunar para as trevas do mundo,
e de olhar aberto para a eternidade.
19
Rumor sem fim do mundo:
silêncio do coração.
20
Por trás deste aparente equilíbrio,
espreita a morte vencedora.
Árvore de mim-mesmo,
cresci porque busquei, sem cessar,
a luz, fonte da vida. Nesta ascensão,
desde que aprendi a fitar o sol,
sinto apodrecer minha raiz,
vivendo e morrendo a cada dia.
21
Encerra-se a vida,
diz o poeta em seu castelo
de loucura e solidão.
No seu zênite, o azul,
antes das chuvas,
antes do obscuro.
22
Já metade do rio deixei p’ra trás,
olham-me de longe no cais da memória,
as manhãs de neblina e os perfumes dos jardins
que vivi na fantástica fábrica do mundo. Sigo
a jornada anil, todavia, e como barco regressado
ao estaleiro matricial, numa noite de luar,
sei que um dia desaguarei no oceano final.
23
Conheço o mundo,
posso partir. A vida azul
espera por mim.
24
Agora, posso desaparecer,
para mais além surgir. Adeus mundo,
adeus infância, fantasmas reais,
amor, adeus. Voltaremos a encontrar-
-nos no espaço mais sensível que
possuímos, nessa casa invisível,
sem paredes, sem palavras, intangível
pelos sentidos, pela razão, e que
se chama coração.
25
Adeus terra sagrada, natal,
Devieste, violada, repelente
lixo do homem. Adeus, homem,
tu que és a espécie mais inimiga da vida.
Embarco de regresso ao meu silêncio azulado,
porque o meu ser já nem respira na grandeza
das matas sem-fim, como outrora nos vales medievais,
circundados de luz espiritual.
Adeus terra sagrada, natal,
Devieste, violada, repelente
lixo do homem. Adeus, homem,
tu que és a espécie mais inimiga da vida.
Embarco de regresso ao meu silêncio azulado,
porque o meu ser já nem respira na grandeza
das matas sem-fim, como outrora nos vales medievais,
circundados de luz espiritual.
poemas
01, 02, 03, 05, 06, 07, 08, 10, 11, 13, 20, 21 e 23
publicados no livro “Confissões”, de 2014
LEIA TAMBÉM
Na TEIA do DESTINO AZUL – Livro 01
01, 02, 03, 05, 06, 07, 08, 10, 11, 13, 20, 21 e 23
publicados no livro “Confissões”, de 2014
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