Ilustrações:
IBERÊ CAMARGO
(1914 - 1994. Restinga Sêca / Rio Grande do Sul)
Nasceu no Rio Grande do Norte, em Natal , em 1985. Poeta, AUGUSTO B. MEDEIROS participou da coletânea “Libertárias Saudações”. Foi um dos nomes selecionados para publicação vinculada
ao prêmio Luís Carlos Guimarães, da Fundação José Augusto. Uma coletânea que conta com dezoito poetas, três primeiros lugares e outros quinze contemplados com menção honrosa. Desenhista, sua arte, marcada por traços minimalistas - em grafite, preto e branco -, reflete sobre a condição humana. São desenhos que também abordam temas históricos, talvez influenciados pela formação
acadêmica do autor em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O artista realizou duas exposições individuais em 2015, ambas intituladas “Rabisco Noir”, homenageando o emblemático cinema noir da década de 1940. Confira o pensamento do poeta-desenhista.
Augusto, qual foi o primeiro livro de poesias que leu? Lembra-se do impacto que teve?
Não
lembro o primeiro, mas o contato com poesias iniciou cedo. Meu avô materno escrevia
poesias, no entanto seus textos eram mais voltados para temáticas do
espiritismo. Acostumei-me a vê-lo escrever em sua Smith-Corona anos 1950 que conservo até hoje. Ele possuía uma
biblioteca bem interessante, foi através dele que descobri a poesia romântica
de Augusto dos Anjos, por exemplo. Curiosamente, o gênero poesia não era o que
eu mais apreciava. Gostava de ler, mas comecei a me desinteressar pelas
fórmulas mais tradicionais, as rimas, as métricas. Passei a preferir a prosa,
me identificava mais, parecia algo mais livre. A poesia que eu conhecia era
algo mais preso a regras. Essa visão só veio a mudar anos depois, quando
descobri as vertentes mais transgressoras e fluidas da poesia, como os
concretos, o poema-processo e até mesmo a poesia da contracultura, que acabaram
me aproximando do gênero.
Quando, exatamente, sentiu vocação para a literatura?
Eu
não sei ao certo se tenho uma “vocação”, sou apenas um aprendiz, um iniciante.
Mas a questão é que sempre gostei de escrever, sempre busquei meios de
expressar minhas inquietações diante desta suposta realidade que nos cerca. Foi
assim com o desenho, e vem sendo assim também com a poesia. Eu já escrevi
muitas coisas, mas rasguei e apaguei dos computadores. Os poemas foram os
escritos que decidi guardar, que olhei e me enxerguei neles, entende? Foram
também os primeiros que eu decidi mostrar. Mudando de assunto, mas ainda
falando sobre poesia, este ano aconteceu algo muito interessante comigo, tive
uma grata surpresa ao descobrir poemas do meu pai. Durante uma mudança, minha
mãe encontrou um pequeno calhamaço de textos de autoria dele e com a letra
dele. Foi uma surpresa, pois quando meu pai morreu eu tinha apenas 13 anos, nunca
imaginei que ele escrevesse poemas. O primeiro que eu li me identifiquei muito,
era um poema bem pessoal, existencialista. A poesia me conectou ao meu pai em
um tempo e em um espaço diferente.
Sua poesia é um retrato da sua própria persona ou é fruto exclusivo da imaginação?
Eu
posso utilizar a imaginação, sempre utilizamos, mas minha poesia é muito da minha
personalidade. Elas são muito pessoais. Meus versos são impulsionados pelos
efeitos causados pelo meu cotidiano e pelas sensações que experimento, seja por
coisas simples, que poderiam ser banais, mas nunca são, seja pelos sentimentos
mais importantes que julgo ter pelas pessoas ou pela vida. A imaginação surge quando me coloco no lugar de outra pessoa para escrever, quando me imagino em outro ser, mas sou ainda meu olhar, minha carga.
Seu cenário é Natal, onde sempre viveu. Acredita que a ambientação é importante para o escritor? Se mudasse de cidade sua poesia seria diferente?
Creio
que a ambientação é importante, mas não é fundamental. Acredito que seu eu
vivesse em outra cidade teria outras vivências, claro, porém julgo os elementos
que estão em meus textos como pessoais, e por isso, universais. Escrevo sobre
minha ansiedade, meus sentimentos, sobre a incerteza em relação ao
futuro, sobre um presente hostil, sobre o avesso das aparências, e esses aspectos encontramos em todo ser e em qualquer cidade. Natal está nos meus textos
por estar em mim, mas meus textos não devem obediência a Natal.
Tem quem diz que a literatura deve traduzir o espaço natal do escritor. O que pensa?
É
muito difícil falar hoje em aspectos regionais. Hoje somos de todo lugar. A
própria noção de espaço é bem abrangente, não se restringe mais a fronteiras
fisicamente estabelecidas. Compreendemos que os espaços são construções humanas
e não elementos naturais delimitados por clima ou qualquer outra coisa. É o
homem que elabora a noção de recorte espacial e dá a ele um rosto. É o homem
que conecta e mistura espaços. Meus textos falam mais sobre o homem do que
sobre o espaço, do que sobre um único espaço natal ou região.
A poesia parece ser o seu gênero favorito. Por que? Não se sente à vontade escrevendo prosa?
A
poesia me agrada pela carga de sentimento que é lançada, muitas vezes, com
poucas palavras, pelo corte dos versos, que não se cortam efetivamente. Gosto
muito da prosa, quem sabe um dia eu não escreva algo do tipo. Hoje não me vejo
escrevendo prosa. Muito menos uma narrativa que exija continuação de
dias na concentração de certo núcleo de personagens. A
poesia e suas possibilidades me deixam satisfeito.
Quanto tempo leva escrevendo um poema? Qual o seu processo de escrita? Como constrói um poema?
Tudo
varia bastante. Alguns nascem em um segundo, os textos praticamente se
apresentam como uma visão. Vejo e digo...é isto! É o que quero dizer! E não
importa o local, tenho que escrever logo. Outras vezes a criação se estende
para alguns dias, não muitos, semanas. São poemas que surgem em partes, verso a
verso, assim vou montando-os como quebra-cabeças, claro que neles não existem
peças que se encaixam perfeitamente, mas fecho quando a composição fica ao meu
agrado, pelo menos naquele dia.
Como os seus versos nascem? Através de uma palavra, uma sensação, uma imagem ou de uma situação?
Gosto
da ideia de imagem! Sim, uma imagem ecoada por uma situação, ou mesmo uma
palavra, mas gosto da ideia de imagem! São como cenas de filmes ou peças
teatrais. Nelas eu represento, encontro pessoas, os lugares, os objetos, o meu próprio
corpo e os sentimentos que envolvem tudo.
Escreve com qual objetivo?
Busco
apenas expressar os meus incômodos em relação à existência. Sinto-me bem
escrevendo e acreditando que alguém vai ler, é como em um confessionário, me
alivio ao contar.
Algum poeta o influenciou?
Palavras
me influenciam, sejam elas em prosa, em verso, cantadas ou não. O
existencialismo da prosa de Clarice Lispector é sempre uma inspiração. Os
textos de Jack Kerouac, sejam em prosa ou haikai, posso dizer que me encantam
muitíssimo, principalmente em relação ao olhar que lança para a nossa sociedade
ocidental tão marcada pela técnica, pelo capitalismo e que condena modos
alternativos de viver e de comportamento. Além do olhar sobre o que está às
margens, a escrita de Kerouac tem ritmo, é algo visceral e frenético.
Fascina-me a associação que fez entre a estrada e a vida. Também me inspiram a música de Bob Dylan, a música de Nina Simone, sua voz intensa e
pesada, as composições de Blues com suas vozes melancólicas e letras que contam
sobre dores, desventuras, fazem, de certa forma, um elogio ao perdedor. Posso
incluir também poetas como Leminski, Chacal e Moacy Cirne. Diferentes tempos e
formatos, poesias que me inspiram.
Como traçaria um perfil da literatura potiguar? Troca impressões literárias com escritores locais?
Não
sou capacitado para elaborar um perfil, mas em Natal, assim como em outros
locais, existem grupos mais ligados a uma poesia conservadora em termos de
formato, e outros grupos mais experimentais. A existência desses grupos é
refletida também nos meios que utilizam para fazer circular sua arte. Em Natal
além das editoras e da publicação em livros, existem editoras que produzem
volumes como zines. Também é possível fazer circular a poesia de forma
independente ou através de iniciativas de coletivos. Acerca da troca com
escritores locais, faço muito, seja por meio dos diferentes saraus que ocorrem
na cidade como também nos caminhos subterrâneos das redes sociais. Sim, por
trás da superfície de banalidades e culto a imagem, tão comumente associados a
esses veículos, existe uma teia de trocas poéticas nessas redes. Natal possui
uma cena jovem muito rica em termos de poesia, aí eu me incluo. É possível se
deleitar nas leituras e se inspirar.
Fale sobre seus desenhos.
Assim como a poesia os meus desenhos são necessidade para mim. Os desenhos
vieram primeiro. É clichê falar que se faz algo desde a infância, mas
honestamente é o que lembro que gostava mais de fazer. Após anos, afastado dos
contornos, voltei a desenhar, comecei a guardar, acumular, por sugestão de
amigos busquei meios para expor. Foi a Galeria do IFRN que primeiramente me
abriu as portas. A exposição teve uma boa repercussão por parte dos visitantes
e também dos amigos que já conheciam o meu trabalho. Também este ano tive a
oportunidade de mostrar meus desenhos na Livraria Nobel Salgado Filho. Atualmente
preparo uma nova exposição que terá como tema o circo, diferente da anterior, a
Rabisco Noir, com tema e estética
inspirada no meu cotidiano, como também no Cinema Noir. A nova exposição se chamará Circo Reverso e ainda não possui
data. Ambas tem em comum uma preocupação com o lado mais escuro da existência
humana. Meus trabalhos podem ser vistos através da minha página no facebook,
Garabatos por Augusto B. Medeiros.
Vale a pena escrever?
Vale!
Não em relação ao dinheiro, mas não é o intuito da minha arte servir como ganho
financeiro. Sou professor de História e gosto muito da profissão que escolhi. Faço
arte por necessidade de fazê-la, por isso tem valido a pena. Eu vendo meus
quadros, publicações, gosto quando alguém se identifica e se agrada e quer
levar, cobro por isso, pois para produzir eu tenho meus custos. Evidente, que
os artistas também pagam suas contas, sendo necessário que sejam valorizados
também financeiramente, mas minha arte não é feita visando agradar um possível
comprador, não é feita para agradar as expectativas de alguém. É como costumo dizer, não é apenas traço, é
pedaço de mim, ou seja, não são apenas linhas ou palavras, é algo mais profundo.
POEMAS de AUGUSTO B. MEDEIROS
BABY
Quantos frascos de perfume, Baby?
Quanto esforço
Para disfarçar o mau cheiro de sua dor
Nestes hard times
Não reclame!
Não lamente ou se decepcione!
Se você já sabe
Sobre sua cidade Natal
Ela já te renegou
Até sua grana já acabou
Então se vista com seu corpo
E com o charme que lhe restou
Junto com as artimanhas bandidas
Que você sempre ocultou
Mas você sabe que tem
Todos tem, Baby
BAGUNÇA OXIGÊNIO
Quando arrumei a gaveta
Eu queria cada coisa em seu lugar
E fui alinhando
E me alinhando
Desejo imaturo
Ação impossível
De sustentar
Qualquer ordem
Todo dia é panela, mesa e prato
É meia e sapato
É gente
É desconforto sem fim
Sou eu apertado
Em minha bagunça oxigênio...
DOMINGO
Só hoje para ser feliz
Este domingo
Em minhas mãos
Linda estátua a ser dedilhada
E por isso saber
Ele já rompeu a cortina como saudade
Ele já nasceu com a culpa
Por eu não saber fingir a velocidade
De cada instante
Domingo por um triz
ENCOSTO
Anteontem
Estavas de costas
Te vi
Aos meus olhos
E eu quis
O seu lugar
No mundo
O seu vazio
Existencial
O seu suor imundo
E respirar
Teu bafo nasal
O que me prende
Vai bem além do teu corpo
Quero mais que pegar!
Encosto!
PAREDE
Era uma vez....
Um prego torto
Em minha parede
E não era conto ou metáfora
Era fisicamente eu, a parede, e o prego
Ecoando
Em minha cabeça a marteladas
Eu era refém da repetição das pancadas
Mas era possível ser diferente
Não muito longe dali
Diziam existir almas livres, soltas, flutuantes
Desapegadas de expectativas, pregos, paredes e martelos
Mas não! Eu não era um deles!
Eu pertencia aos cantos laterais das paredes
Da espécie dos que se fixam
Tortos
8 comentários:
Maravilha!
Tudo !
Fotos, demais !
Entrevista, Idem !
A beleza de suas postagens é sempre um oásis! Cultivar a beleza em nosso olhar talvez seja a senha pra viver em paz! Grande Nahud!
Entrevista Excelente! Parabéns aos dois!
Augusto, que entrevista maravilhosa!! Foi muito legal conhecer um pouquinho mais de você, querido!! Sucessoooo!!! Emoticon heart Ah, e adorei saber que é professor de história! Tenho muitos amigos historiadores! Emoticon wink
bELEZA
Gostei de ver a reportagem e é a primeira vez que venho aqui, valeu
Abraços a todos.....obrigado pelo carinho.
"... Alguns nascem em um segundo, os textos praticamente se apresentam como uma visão. Vejo e digo...é isto!..."
__ Augusto B. Medeiros
É sempre assim... E é incontrolável.
Parabéns pelos tantos dons, Augusto B. Medeiros. Sou super fã dos teus trabalhos: seja no traço, pintura ou versos. A tua Arte é bela, profunda e abundante. Grande abraço, meu querido.
Karla Melo
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