setembro 27, 2015

............................................. SOB o OLHAR de UM JOVEM POETA



Ilustrações:
IBERÊ CAMARGO


Nasceu no Rio Grande do Norte, em Natal , no ano de 1985. Poeta, AUGUSTO B. MEDEIROS participou da coletânea “Libertárias Saudações”, publicação do Coletivo Nenhures. Foi um dos nomes selecionados para publicação vinculada ao prêmio Luís Carlos Guimarães, da Fundação José Augusto. Uma coletânea que conta com dezoito poetas, três primeiros lugares e outros quinze contemplados com menção honrosa.

Desenhista, sua arte, marcada por traços minimalistas - em grafite, preto e branco -, reflete sobre a condição humana. São desenhos que também abordam temas históricos, talvez influenciados pela formação acadêmica do autor em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O artista realizou duas exposições individuais em 2015, ambas intituladas “Rabisco Noir”, homenageando o emblemático cinema noir da década de 1940.

Confira o pensamento do poeta-desenhista.


Augusto, qual foi o primeiro livro de poesias que você leu? Lembra-se do impacto que teve? 

Não lembro o primeiro, mas o contato com poesias iniciou cedo. Meu avô materno escrevia poesias, no entanto seus textos eram mais voltados para temáticas do espiritismo. Acostumei-me a vê-lo escrever em sua Smith-Corona anos 1950 que conservo até hoje. Ele possuía uma biblioteca bem interessante, foi através dele que descobri a poesia romântica de Augusto dos Anjos, por exemplo. Curiosamente, o gênero poesia não era o que eu mais apreciava. Gostava de ler, mas comecei a me desinteressar pelas fórmulas mais tradicionais, as rimas, as métricas. Passei a preferir a prosa, me identificava mais, parecia algo mais livre. A poesia que eu conhecia era algo mais preso a regras. Essa visão só veio a mudar anos depois, quando descobri as vertentes mais transgressoras e fluidas da poesia, como os concretos, o poema-processo e até mesmo a poesia da contracultura, que acabaram me aproximando do gênero.

Quando, exatamente, sentiu vocação para a literatura?

Eu não sei ao certo se tenho uma “vocação”, sou apenas um aprendiz, um iniciante. Mas a questão é que sempre gostei de escrever, sempre busquei meios de expressar minhas inquietações diante desta suposta realidade que nos cerca. Foi assim com o desenho, e vem sendo assim também com a poesia. Eu já escrevi muitas coisas, mas rasguei e apaguei dos computadores. Os poemas foram os escritos que decidi guardar, que olhei e me enxerguei neles, entende? Foram também os primeiros que eu decidi mostrar. Mudando de assunto, mas ainda falando sobre poesia, este ano aconteceu algo muito interessante comigo, tive uma grata surpresa ao descobrir poemas do meu pai. Durante uma mudança, minha mãe encontrou um pequeno calhamaço de textos de autoria dele e com a letra dele. Foi uma surpresa, pois quando meu pai morreu eu tinha apenas 13 anos, nunca imaginei que ele escrevesse poemas. O primeiro que eu li me identifiquei muito, era um poema bem pessoal, existencialista. A poesia me conectou ao meu pai em um tempo e em um espaço diferente.
  

Sua poesia é um retrato, transmutado, evidentemente, da sua própria persona ou é fruto exclusivo da imaginação? 

Eu posso utilizar a imaginação, sempre utilizamos, mas minha poesia é muito da minha personalidade. Elas são muito pessoais. Meus versos são impulsionados pelos efeitos causados pelo meu cotidiano e pelas sensações que experimento, seja por coisas simples, que poderiam ser banais, mas nunca são, seja pelos sentimentos mais importantes que julgo ter pelas pessoas ou pela vida. A imaginação surge por vezes quando me coloco no lugar de outra pessoa para escrever, quando tento me imaginar em outro ser, mas sou ainda eu, meu olhar, minha carga.

Seu cenário é Natal, onde sempre viveu. Acredita que a ambientação é importante para o escritor? Se mudasse de cidade sua poesia seria diferente?

Creio que a ambientação é importante, mas não é fundamental. Acredito que seu eu vivesse em outra cidade teria outras vivências, claro, porém julgo os elementos que estão em meus textos como pessoais, e por isso, universais. Escrevo sobre minha ansiedade, sobre meus sentimentos, sobre a incerteza em relação ao futuro, sobre um presente hostil, sobre o avesso das aparências, e esses aspectos podemos encontrar em todo ser e em qualquer cidade. Natal está nos meus textos por estar em mim, mas meus textos não devem obediência a Natal.
  

Tem gente que diz que a literatura deve se voltar para o regionalismo, traduzir o espaço natal do escritor. O que pensa?

É muito difícil falar hoje em aspectos regionais. Hoje somos de todo lugar. A própria noção de espaço é bem abrangente, não se restringe mais a fronteiras fisicamente estabelecidas. Compreendemos que os espaços são construções humanas e não elementos naturais delimitados por clima ou qualquer outra coisa. É o homem que elabora a noção de recorte espacial e dá a ele um rosto. É o homem que conecta e mistura espaços. Meus textos falam mais sobre o homem do que sobre o espaço, do que sobre um único espaço natal ou região.

A poesia parece ser o seu gênero favorito. Por que? Não se sente à vontade escrevendo prosa?

A poesia me agrada pela carga de sentimento que é lançada, muitas vezes, com poucas palavras, pelo corte dos versos, que não se cortam efetivamente. Gosto muito da prosa, quem sabe um dia eu não escreva algo do tipo. Hoje não me vejo escrevendo prosa. Muito menos alguma narrativa que exija uma continuação de dias e meses na concentração de certo núcleo de personagens. Por enquanto, a poesia e suas possibilidades me deixam satisfeito.
  

Quanto tempo leva escrevendo-reescrevendo um poema? Qual o seu processo de escrita? Como constrói um poema?

Tudo varia bastante. Alguns nascem em um segundo, os textos praticamente se apresentam como uma visão. Vejo e digo...é isto! É o que quero dizer! E não importa o local, tenho que escrever logo. Outras vezes a criação se estende para alguns dias, não muitos, semanas. São poemas que surgem em partes, verso a verso, assim vou montando-os como quebra-cabeças, claro que neles não existem peças que se encaixam perfeitamente, mas fecho quando a composição fica ao meu agrado, pelo menos naquele dia.

Como os seus versos nascem? Através de uma palavra, uma sensação, uma imagem ou de uma situação?

Gosto da ideia de imagem! Sim, uma imagem ecoada por uma situação, ou mesmo uma palavra, mas gosto da ideia de imagem! São como cenas de filmes ou peças teatrais. Nelas eu represento, encontro pessoas, os lugares, os objetos, o meu próprio corpo e os sentimentos que envolvem tudo.


Escreve com qual objetivo?

Busco apenas expressar os meus incômodos em relação à existência. Sinto-me bem escrevendo e acreditando que alguém vai ler, é como em um confessionário, me alivio ao contar.

Algum poeta o influenciou?

Palavras me influenciam, sejam elas em prosa, em verso, cantadas ou não. O existencialismo da prosa de Clarice Lispector é sempre uma inspiração. Os textos de Jack Kerouac, sejam em prosa ou haikai, posso dizer que me encantam muitíssimo, principalmente em relação ao olhar que lança para a nossa sociedade ocidental tão marcada pela técnica, pelo capitalismo e que condena modos alternativos de viver e de comportamento. Além do olhar sobre o que está às margens, a escrita de Kerouac tem ritmo, é algo visceral e frenético. Fascina-me a associação que fez entre a estrada e a vida.  Também me inspiram a música de Bob Dylan, muito influenciado por Kerouac, a música de Nina Simone, sua voz intensa e pesada, as composições de Blues com suas vozes melancólicas e letras que contam sobre dores, desventuras, fazem, de certa forma, um elogio ao perdedor. Posso incluir também poetas como Leminski, Chacal e Moacy Cirne. Diferentes tempos e formatos, poesias que me inspiram.
  

Como traçaria um perfil da literatura potiguar? Troca impressões literárias com escritores locais?

Não sou capacitado para elaborar um perfil, mas em Natal, assim como em outros locais, existem grupos mais ligados a uma poesia conservadora em termos de formato, e outros grupos mais experimentais. A existência desses grupos é refletida também nos meios que utilizam para fazer circular sua arte. Em Natal além das editoras e da publicação em livros, existem editoras que produzem volumes como zines. Também é possível fazer circular a poesia de forma independente ou através de iniciativas de coletivos. Acerca da troca com escritores locais, faço muito, seja por meio dos diferentes saraus que ocorrem na cidade como também nos caminhos subterrâneos das redes sociais. Sim, por trás da superfície de banalidades e culto a imagem, tão comumente associados a esses veículos, existe uma teia de trocas poéticas nessas redes. Natal possui uma cena jovem muito rica em termos de poesia, aí eu me incluo. É possível se deleitar nas leituras e se inspirar cada vez mais.

Você desenha, e seus desenhos são precisos e sedutores. Fale sobre eles.

Sim, assim como a poesia os meus desenhos são necessidade para mim. Os desenhos vieram primeiro. É clichê falar que se faz algo desde a infância, mas honestamente é o que lembro que gostava mais de fazer. Após anos, afastado dos contornos, voltei a desenhar, comecei a guardar, acumular, por sugestão de amigos busquei meios para expor. Foi a Galeria do IFRN que primeiramente me abriu as portas. A exposição teve uma boa repercussão por parte dos visitantes e também dos amigos que já conheciam o meu trabalho. Também este ano tive a oportunidade de mostrar meus desenhos na Livraria Nobel Salgado Filho. Atualmente preparo uma nova exposição que terá como tema o circo, diferente da anterior, a Rabisco Noir, com tema e estética inspirada no meu cotidiano, como também no Cinema Noir. A nova exposição se chamará Circo Reverso e ainda não possui data. Ambas tem em comum uma preocupação com o lado mais escuro da existência humana. Meus trabalhos podem ser vistos através da minha página no facebook, Garabatos por Augusto B. Medeiros.

augusto b. medeiros
Vale a pena escrever, ser artista?

Vale! Não em relação ao dinheiro, mas não é o intuito da minha arte servir como ganho financeiro. Sou professor de História e gosto muito da profissão que escolhi. Faço arte por necessidade de fazê-la, por isso tem valido a pena. Eu vendo meus quadros, publicações, gosto quando alguém se identifica e se agrada e quer levar, cobro por isso, pois para produzir eu tenho meus custos. Evidente, que os artistas também pagam suas contas, sendo necessário que sejam valorizados também financeiramente, mas minha arte não é feita visando agradar um possível comprador, não é feita para agradar as expectativas de alguém.  É como costumo dizer, não é apenas traço, é pedaço de mim, ou seja, não são apenas linhas ou palavras, é algo mais profundo.


POEMAS de AUGUSTO B. MEDEIROS

BABY

Quantos frascos de perfume, Baby?
Quanto esforço
Para disfarçar o mau cheiro de sua dor
Nestes hard times
Não reclame!
Não lamente ou se decepcione!
Se você já sabe
Sobre sua cidade Natal
Ela já te renegou
Até sua grana já acabou
Então se vista com seu corpo
E com o charme que lhe restou
Junto com as artimanhas bandidas
Que você sempre ocultou
Mas você sabe que tem
Todos tem, Baby

BAGUNÇA OXIGÊNIO

Quando arrumei a gaveta
Eu queria cada coisa em seu lugar
E fui alinhando
E me alinhando
Desejo imaturo
Ação impossível
De sustentar
Qualquer ordem
Todo dia é panela, mesa e prato
É meia e sapato
É gente
É desconforto sem fim
Sou eu apertado
Em minha bagunça oxigênio...

DOMINGO

Só hoje para ser feliz
Este domingo
Em minhas mãos
Linda estátua a ser dedilhada
E por isso saber
Ele já rompeu a cortina como saudade
Ele já nasceu com a culpa
Por eu não saber fingir a velocidade
De cada instante
Domingo por um triz

ENCOSTO

Anteontem
Estavas de costas
Te vi
Aos meus olhos
E eu quis
O seu lugar
No mundo
O seu vazio
Existencial
O seu suor imundo
E respirar
Teu bafo nasal
O que me prende
Vai bem além do teu corpo
Quero mais que pegar!
Encosto!

PAREDE

Era uma vez....
Um prego torto
Em minha parede
E não era conto ou metáfora
Era fisicamente eu, a parede, e o prego
Ecoando
Em minha cabeça a marteladas
Eu era refém da repetição das pancadas
Mas era possível ser diferente
Não muito longe dali
Diziam existir almas livres, soltas, flutuantes
Desapegadas de expectativas, pregos, paredes e martelos
Mas não! Eu não era um deles!
Eu pertencia aos cantos laterais das paredes
Da espécie dos que se fixam
Tortos


augusto b. medeiros

8 comentários:

Enocir Mello disse...

Maravilha!
Tudo !
Fotos, demais !
Entrevista, Idem !

Júnia Paixão disse...

A beleza de suas postagens é sempre um oásis! Cultivar a beleza em nosso olhar talvez seja a senha pra viver em paz! Grande Nahud!

Ma Luz disse...

Entrevista Excelente! Parabéns aos dois!

Rai Blue disse...

Augusto, que entrevista maravilhosa!! Foi muito legal conhecer um pouquinho mais de você, querido!! Sucessoooo!!! Emoticon heart Ah, e adorei saber que é professor de história! Tenho muitos amigos historiadores! Emoticon wink

Luiz Barbosa disse...

bELEZA

Luzzinett Santos disse...

Gostei de ver a reportagem e é a primeira vez que venho aqui, valeu

Anônimo disse...

Abraços a todos.....obrigado pelo carinho.

Karla Mello disse...

"... Alguns nascem em um segundo, os textos praticamente se apresentam como uma visão. Vejo e digo...é isto!..."
__ Augusto B. Medeiros

É sempre assim... E é incontrolável.
Parabéns pelos tantos dons, Augusto B. Medeiros. Sou super fã dos teus trabalhos: seja no traço, pintura ou versos. A tua Arte é bela, profunda e abundante. Grande abraço, meu querido.

Karla Melo