“O futuro só nasce de um invento:
nós dois,
amor, nós somos este tempo.”
“Olhando
dentro de mim,
de dentro
da natureza,
eu a
refaço - e invento a beleza.”
VERSOS de
LUPE COTRIM
(São
Paulo, SP. 1933 - 1970)
FOTOGRAFIAS
de MORVAN FRANÇA
(Belo
Horizonte, Minas Gerais. 1987 – 2016)
A saudade
é o limite da presença,
estar em
nós daquilo que é distante,
desejo de
tocar que apenas pensa,
contorno
doloroso do que era antes.
Saudade é
um ser sozinho descontente
um amor
contraído, não rendido,
um
passado insistindo em ser presente
e a mágoa
de perder no pertencido.
Os pés
retidos, imóveis,
pelos
choques de atração
com a
alma paralisada
contendo
tanta largueza
e
aspectos de vastidão.
Por que
ter tantos sentidos,
o
sentimento tão apto
e o
coração vulnerável?
— Eu sou
de pedra, me dizias,
a
defender tua distância.
E
esquecias o musgo,
essa tua
epiderme de ternura,
e o teu
corpo de carinhos,
num
horizonte de água e terra,
a te
envolver na vida.
E esquecias
que és
pouso de borboletas,
alicerce
de flores,
abraço de
raízes,
vulnerável
em tudo
do que em
ti pertence
e minha
mão possui, acaricia.
Pela
terra em que não me desfiguro,
hei de
surgir um dia em cristal puro.
Meu corpo
— para ti somente —
deve
emergir a cada gesto límpido
e
profundo deve ser meu futuro
para
reter-te e recriar-te permanente.
E por
isso temo. No meu sentimento
sofro por
ti. Receio
ser larga
a hesitação de meu caminho,
ser um
mito a conquista da montanha,
ser pobre
e fugaz o meu espaço
na
extensão que reduz teu infinito.
No corpo
prosseguimos
onde o
amor parava.
E
inventamos. Sem palavras
tornamos
nossa a carne da manhã,
a exaurir
o tempo, sem fidelidade
alguma,
no dia imprevisível,
além do
nosso invento.
É o tempo
meu receio, não o amor,
que este
perdura. Por novos desígnios
refaz em
outro aquilo que não for
mais seu
momento: trama outro domínio.
Esta
brisa entre nós, este sossego
agudo de
desejo, esta presença
alerta,
esta carne toda apego
certo se
apagam: tempo algum sustenta
ou seduz
uma solta intensidade.
Se entre
nós cada folha de silêncio
for
linguagem dos gestos desprendidos
e em
clareiras tombar cada momento
o que
outrora foi verde e preenchido,
segurarei
na queda tua imagem.
porque
entre raiz e folha
o animal
salta,
elástico,
e desconheço
liberdade
tão alta;
a solidão
é o rosto da humanidade
a terra é
voo, o céu se reaproxima,
e em tudo
estou presente, simultâneo,
o
horizonte a meus pés,
como um
riacho doce.
corpo de
estrela, impulso de planície,
a morte é
apenas uma flor
vermelha,
que passa no vento,
o amor se
desvenda nas colheitas,
rostos
anônimos surgem
dos
troncos de cimento
Dentro da
paisagem
cortada
de pássaros
um voo se
cala
Num grito
gutural,
agudo
como soluço do mundo,
o súbito
apelo da solidão,
no corpo
prolongado
de plumas
e surpresas.
No ar
suspensa
teia
tecendo
seu
íntimo movimento.
um gesto
distraído e delicado,
no
instante em que criava o verme
e sonhava
a estrela.
Coreografia
aérea,
sedoso equilíbrio
subindo
da terra.
Fios
prateados
que o
olhar desenha
sem poder
caminhar.
para
criar um novo chão
entre a
altura
e a
solidão.
Viverá
como vivo.
O tempo e
seu assalto
não nos
caberá
fora
desse pacto
sonoro e
terrível;
a morte é
o que não falo.
Seduzidos
pela brisa
mergulhamos
na poeira dourada
e nos
azuis incontáveis:
mas
rompe-se entre os olhos
uma
miséria sem trégua
- essa é
a nossa treva.
A beleza
se aconchega
madura e
esplêndida
no umbral
dos solares,
é ela
quem nos vê
altiva e
derradeira.
Se morre
por outros rumos
aquém e
além do dizer
e do
poeta é a sina
não viver
só de palavra
mas do
chão, da cerca, da água
onde
germina em silêncio
o que
desabrocha a fala.
Se vive
com fome e sede
com amor
estilhaçado
analfabeto,
amarrado,
com
chumbo dentro do ventre
sem sexo,
luz, alvorada,
um homem
vive de pouco
resiste
às vezes de nada.
Hei de
inventar amor num desafio
às mais
concretas frases, aos dias úteis,
amor de
ser a outro que é demais
ter um
mundo por dentro desprovido.
Todo
poeta é uma flor que permanece
espada
aérea e franca
contra a
morte
Todo
poeta é uma cor que permanece
no olhar
sobrevivente
e na luz
das manhãs que voltam sempre
Também de
dor se morre pois é morte
o
sentimento ausente. O ser feliz
é ser
presente, sem que mais importe
esse
profundo sulco e a cicatriz
que no
corpo nos marca o sofrimento.
Se nenhum
amor me resguardar
em seu
abraço
a dar-me
sensação
de que
possuo e pertenço
quero
pegar a vida
palmo a
palmo,
traço a
traço,
num dia esfuziante
de azul
com o mar
na boca e nos braços.
Quando eu
morrer,
se
morrer,
eu que
renasço a cada momento,
criando
íntimos laços
por toda
natureza,
eu que
perduro no eterno
da
intensidade,
quero
morrer assim:
os olhos
na distância
do
entendimento
e o corpo
penetrando na beleza,
passo a
passo.
Meu fim
transformado em luz
dentro de
mim.
Ser
transparente
é quase
um suicídio,
um
transbordar de si
perdido,
ir a outro de nós
que nos
retém, apagado
o
sentido.
Um poeta
suicida
anunciou
vento adentro
- o
romantismo acabou.
O que
estava por detrás
lá nos
fundos da poesia
é que
mata. E o matou.
TODA a OBRA de LUPE COTRIM
RAIZ
COMUM (1955)
MONÓLOGOS
do AFETO (1956)
ENTRE a
FLOR e o TEMPO (1961)
CÂNTICO
da TERRA (1963)
O POETA e
o MUNDO (1964)
INVENTOS
(1968)
POEMAS ao
OUTRO (1970)
ENCONTRO
(1984, antologia)
LEIA sobre MORVAN
A ALQUIMIA FOTOGRÁFICA de MORVAN
INTERLÚDIO
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ANATOMIA
da AUSÊNCIA
MORVAN por ANTONIO NAHUD
Antonio Nahud e Morvan em 2014 |
11 comentários:
Encantada com essa singela homenagem ao querido Morvan. Ele foi meu colega na UFRN. Era um moço reservado, gentil, observador. Certa vez me mostrou a revista Ícone, ficamos conversando um tempão e ele me falou da parceria profissional de vcs, Antonio, com muito orgulho. Uma pena um fim tão inesperado e trágico. Mas a vida tem dessas coisas. Um abraço. Parabéns pelo post poético e hipnotizante. Ele deve ter gostado.
Deslumbrante. Grandes artistas!
Como todo trabalho de Morvan, fotos maravilhosas...
Lindo
Fotografias magníficas. Fiquei emocionada. Os versos de Lupe - que não conhecia - também são tocantes. Parabéns.
Seu blog é uma delícia. Viajei nele. Matérias sensacionais!
Show!
Blog impecável! Fotos maravilhosas, mas a de número 01 com o seu respectivo verso é show, parabéns!!!
Maravilhoso. Fiquei muito emocionada pelo conjunto do post: versos, fotografias e o amor pulsando. Saudades de Morvan, partiu muito cedo.
Post mágico. Morvan deve está sorrindo com os anjos.
Fotos maravilhosos. Lindos versos. Profunda história de amor.
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